LIVRO
SEGUNDO
MUNDO
ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO
VI– VIDA ESPÍRITA
V- Escolha das Provas
(Questões 258 à 273)
No
estado errante, antes de nova existência corpórea, o Espírito tem
consciência e previsão do que lhe vai acontecer durante a vida, pois que ele mesmo
escolhe o gênero de provas que deseja sofrer; nisto consiste o seu
livre-arbítrio.
Deus
é quem lhe impõe as tribulações da vida, pois que nada acontece sem a
permissão de Deus, porque foi ele quem estabeleceu todas as leis que regem, o
Universo. Perguntareis agora por que ele fez tal lei em vez de tal outra! Dando
ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade dos seus
atos e das suas consequências; nada lhe estorva o futuro; o caminho do bem
estar à sua frente, como o do mal. Mas se sucumbir, ainda lhe resta uma
consolação, a de que nem tudo se acabou para ele, pois Deus, na sua bondade,
permite-lhe recomeçar o que foi malfeito. É necessário distinguir o que é obra
da vontade de Deus e o que é da vontade do homem. Se um perigo vos ameaça, não
fostes vós que o criastes, mas Deus; tivestes, porém, a vontade de vos expordes
a ele, porque o considerastes um meio de adiantamento; e Deus o permitiu.
Se
o Espírito escolhe o gênero de provas que deve sofrer, todas as tribulações da
vida foram previstas e escolhidas por nós, pois não se
pode dizer que escolhestes e previstes tudo o que vos acontece no mundo, até as
menores coisas. Escolhestes o gênero de provas; os detalhes são consequências
da posição escolhida, e frequentemente de vossas próprias ações.
Se o Espírito
quis nascer entre malfeitores, por exemplo, já sabia a que deslizes se expunha,
mas não conhecia cada um dos atos que praticaria; esses atos são produtos de
sua vontade ou do seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que, escolhendo esse
caminho, terá de passar por esse gênero de lutas; e sabe de que natureza são as
vicissitudes que irá encontrar; mas não sabe quais os acontecimentos que o
aguardam.
Os detalhes nascem das circunstâncias e da força das coisas. Só os
grandes acontecimentos, aqueles que influem no destino, estão previstos. Se
tomas um caminho cheio de desvios, sabes que deves ter muitas precauções,
porque corres o perigo de cair, mas não sabes quando cairás, e pode ser que nem
caias, se fores bastante prudente. Se, ao passar pela rua, uma telha te cair na
cabeça, não penses que estava escrito, como vulgarmente se diz.
O
Espírito quando deseja nascer entre gente de má vida, é porque é necessário
ser enviado ao meio em que possa sofrer a prova pedida. Pois bem, o semelhante
atrai o semelhante, e para lutar contra o instinto do bandido é preciso que ele
se encontre entre gente dessa espécie.
Se
não houvesse gente de má vida na Terra, o Espírito não poderia encontrar nela o
meio necessário a certas provas, pois é o que acontece nos mundos
superiores, onde o mal não tem acesso. É por isso que neles só existem bons
Espíritos. Fazei que o mesmo aconteça, bem logo, em vossa Terra.
O
Espírito, nas provas que deve sofrer para chegar à perfeição, necessariamente,
não terá de experimentar todos os gêneros de tentações, ou passar por todas as
circunstâncias que possam provocar-lhe o orgulho, o ciúme, a avareza, a
sensualidade etc., pois sabeis que há os que tomam desde o
princípio um caminho que os afasta de muitas provas. Mas aquele que se deixa
levar pelo mau caminho, corre todos os perigos do mesmo. Um Espírito pode pedir
a riqueza e está lhe será dada; então, segundo o seu caráter, poderá tornar-se
avarento ou pródigo, egoísta ou generoso, ou ainda entregar-se a todos os
prazeres da sensualidade. Mas isso não quer dizer que ele devia passar
forçosamente por todas essas tendências.
O
Espírito que, em sua origem, é simples, ignorante e sem experiência para escolher
uma existência com conhecimento de causa e ser responsável pela sua escolha, Deus supre
a sua inexperiência, troçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazes com uma
criança desde o berço. Mas deixa-lhe pouco a pouco a liberdade de escolher, à
medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve. E então que ele muitas vezes se
extravia, tomando o mau caminho, por não ouvir os conselhos dos bons Espíritos.
É a isso que podemos chamar a queda do homem.
Quando
o Espírito goza do seu livre-arbítrio, a escolha da existência corpórea depende
sempre exclusivamente da sua vontade ou essa existência pode lhe ser imposta
pela vontade de Deus, como expiação?
Deus sabe esperar: não precipita a expiação. Entretanto, pode
impor certa existência a um Espírito, quando este, por sua inferioridade ou má
vontade, não está apto a compreender o que lhe seria mais proveitoso, e quando
vê que essa existência pode servir para a sua purificação, o seu adiantamento,
e ao mesmo tempo servir-lhe de expiação.
O
Espírito não faz a escolha imediatamente após a morte, pois muitos
creem na eternidade das penas e, como já vos foi dito, isso é um castigo.
O Espírito
escolhe as que podem servir de expiação, segundo a natureza de
suas faltas, e fazê-lo adiantar mais rapidamente. Uns podem impor-se uma vida
de misérias e provações para tentar suportá-la com coragem outros querem
experimentar as tentações da fortuna e do poder, bem mais perigosas pelo abuso
e o mau emprego que se lhes pode dar e pelas más paixões que desenvolvem;
outros, enfim, querem ser provados nas lutas que terão de sustentar no contato
com o vício.
Se
alguns dos Espíritos escolhem o contato com o vício como prova, há os que o
escolhem por simpatia e pelo desejo de viver num meio adequado aos seus gostos,
ou para poderem entregar-se livremente às suas inclinações materiais, mas só entre
aqueles cujo senso moral é ainda pouco desenvolvido; a prova decorre disso, e
eles a sofrem por tempo mais longo.
Cedo ou tarde, compreenderão que a satisfação das paixões brutais
tem para eles consequências deploráveis, que terão de sofrer durante um tempo
que lhes parecerá eterno. Deus poderá deixá-los nesse estado até que eles
tenham compreendido suas faltas, pedindo por si mesmos o meio de resgatá-las em
provas proveitosas.
Para
os encarnados, parece natural que os Espíritos escolham as provas menos
penosas; para o Espírito, não. Quando ele está
liberto da matéria, cessa a ilusão, e a sua maneira de pensar é diferente
Comentário de Kardec:
O
homem, submetido na Terra à influência das ideias carnais, só vê nas suas
provas o lado penoso. É por isso que lhe parece natural escolher as que, do seu
ponto de vista, podem subsistir com os prazeres materiais. Mas na vida
espiritual ele compara os prazeres fugitivos e grosseiros com a felicidade
inalterável que entrevê, e então, que lhe importam alguns sofrimentos
passageiros? O Espírito pode escolher a prova mais rude, e em consequência a
existência mais penosa, com a esperança de chegar mais depressa a um estado
melhor, como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável, para se
curar mais rapidamente. Aquele que deseja ligar o seu nome à descoberta de um
país desconhecido, não escolhe um caminho coberto de flores, pois sabe os
perigos que corre, mas sabe também a glória que o espera, se for feliz.
A doutrina
da liberdade de escolha das nossas existências e das provas que devemos sofrer
deixa de parecer extraordinária, quando se considera que os Espíritos, libertos
da matéria, apreciam as coisas de maneira diferente da nossa. Eles anteveem o
fim, e esse fim lhes parece muito mais importante que os prazeres fugidios do
mundo. Depois de cada existência, veem o progresso que fizeram e compreendem
quanto ainda lhes falta em pureza, para o atingirem. Eis porque se submetem
voluntariamente a todas as vicissitudes da vida corpórea, pedindo eles mesmos
aquelas que podem fazê-los chegar mais depressa. Não há, pois, motivo para nos
admirarmos de que o Espírito não dê preferência à existência mais suave. No seu
estado de imperfeição, ele não pode desfrutar a vida sem amarguras, que apenas
entrevê. E é para atingi-la que procura melhorar-se.
Não vemos
diariamente exemplos de coisas parecidas? O homem que trabalha uma parte de sua
vida, sem tréguas nem descanso, a fim de ajuntar o necessário para o seu
bem-estar. Não desempenha uma tarefa que se impôs, com vistas a um futuro
melhor? O militar que se oferece para uma missão perigosa, o viajante que não
enfrenta menores perigos, no interesse da Ciência ou de sua própria fortuna,
não se submete a provas voluntárias, que devem proporcionar-lhes honra e
proveito, se as vencerem? A que o homem não se submete e não se expõe, pelo seu
interesse ou pela sua glória? Todos os concursos não são provas voluntárias
para melhorar na carreira escolhida? Não se chega a nenhuma posição social de
elevada importância, nas ciências, nas artes, na indústria, sem passar pela
série de posições inferiores, que são outras tantas provas. A vida humana é,
assim, o decalque da vida espiritual. Nela encontramos, em menor escala, todas
as peripécias daquela. Se na vida terrena escolhemos muitas vezes as provas
mais difíceis, com vistas a um fim mais elevado, por que o Espírito, que vê
mais longe, e para quem a vida do corpo é apenas um incidente fugaz, não
escolherá uma existência penosa e laboriosa, se ela o deve conduzir a uma
felicidade eterna? Aqueles que dizem que, se pudessem escolher a sua
existência, teriam pedido a de príncipes ou milionários, são como os míopes que
não veem o que tocam, ou como as crianças gulosas, que respondem, quando
perguntamos que profissão preferem: pasteleiros ou confeiteiros.
Da mesma maneira, o viajante, no fundo de um vale nevoento, não vê a extensão
nem os pontos extremos da sua rota; mas, chegando ao cume da montanha, seu
olhar abrange o caminho percorrido e o que falta percorrer, vê o final de sua viagem,
os obstáculos que ainda tem de vencer, e pode então escolher com mais segurança
os meios de o atingir. O Espírito encarnado é como o viajante no fundo do vale;
desembaraçado dos liames terrestres, é como o que atingiu o cume. Para o
viajante, o fim é o repouso após a fadiga; para o Espírito, é a felicidade
suprema, após as tribulações e as provas.
Todos os
Espíritos dizem que, no estado errante, buscam, estudam, observam, para fazerem
suas escolhas. Não temos um exemplo disso na vida corpórea? Não buscamos muitas
vezes, através dos anos, a carreira que livremente acabamos por escolher,
porque a achamos a mais apropriada aos nossos objetivos? Se fracassamos numa,
procuramos outra. Cada carreira que abraçamos é uma fase, um período da vida.
Não empregamos cada dia em escolher o que faremos no outro? Ora, o que são as
diferentes existências corpóreas para o Espírito, senão fases, períodos, dias
da sua vida espírita que. Como sabemos, é a vida normal, não sendo a vida
corpórea mais do que transitória, passageira?
O
Espírito influenciar pelos seu desejo, a sua escolha durante a vida corporal. Isso
depende da intenção. Mas, no estado de Espírito, frequentemente vê as coisas de
maneira diferente. É o Espírito quem faz a escolha. Mas, ainda assim, ele pode
fazê-la nesta vida material, porque o Espírito tem sempre os momentos em que se
liberta da matéria.
Muitas
pessoas desejam grandezas e riquezas, mas não o será, por certo, como expiação
nem como prova; a matéria deseja essa grandeza, para
gozá-la, e o Espírito a deseja, para conhecer-lhe as vicissitudes.
Até
que chegue ao estado de perfeita pureza, o Espírito tem de passar
constantemente por provas, mas elas não são como as
entendeis. Chamais provas às tribulações materiais; ora, o Espírito, chegando a
um certo grau, mesmo sem ser perfeito, não tem mais nada a sofrer. Mas tem
sempre deveres que o ajudam a se aperfeiçoar, e que não são penosas para ele, a
não ser os de ajudar os outros a se aperfeiçoarem.
O
Espírito pode enganar-se, quanto à eficácia da prova que escolher. Pode
escolher uma que esteja acima de suas forças, e então sucumbe. Pode também
escolher uma que não lhe dê proveito algum, como um gênero de vida ocioso e
inútil. Mas, nesse caso, voltando ao mundo dos Espíritos, percebe que nada
ganhou, e pede para recuperar o tempo perdido.
As
vocações de certas pessoas e sua vontade de seguir uma carreira em vez de outra,
não é a consequência de tudo o que dissemos sobre a escolha das
provas sobre o progresso realizado numa existência anterior?
Quando
o Espírito estuda, na erraticidade, as diversas condições em que poderá
progredir, não poderia nascer entre canibais, pois que não são os Espíritos
já adiantados que nascem entre os canibais, mas os Espíritos da mesma natureza
dos canibais, ou que lhes são inferiores.
Comentário de Kardec: Sabemos que os nossos antropófagos não estão no
último grau da escala, e que há mundos onde o embrutecimento e a ferocidade
ultrapassam tudo o que existe na Terra. Esses Espíritos são, portanto,
ainda inferiores aos mais inferiores do nosso mundo, e vir para o meio dos
nossos selvagens é para eles um progresso, como seria um progresso para os
nossos antropófagos exercer entre nós uma profissão que não os obrigasse a
derramar sangue. Se eles não visam a mais alto, é porque a sua inferioridade
moral não lhes permite compreender um progresso mais completo. O Espírito não
pode avançar senão gradualmente; não pode transpor de um salto a distância que
separa a barbárie da civilização. E está nisso uma necessidade da reencarnação.
que se mostra verdadeiramente de acordo com a justiça de Deus. De outra
maneira, em que se transformariam esses milhões de seres que morrem diariamente
no último estado de degradação, se não tivessem meios de se elevar? Por que
Deus os teria deserdado dos favores concedidos aos demais?
Comentário de Kardec:
Esses seres nos dão o triste espetáculo da
ferocidade em meio da civilização. Retornando para o meio dos canibais, isso
não será um retrocesso, pois não farão mais do que retomar o seu lugar e talvez
ainda com proveito.
Um
homem pertencente a uma raça civilizada poderia, por expiação, reencarnar-se
num raça selvagem, mas isso depende do gênero da expiação. Um
senhor que tenha sido duro para os seus escravos poderá tornar-se escravo e
sofrer os maus tratos que infligiu a outrem. Aquele que mandou numa época,
pode, em outra existência, obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade. É
uma expiação, se ele abusou do poder, e Deus pode determiná-la. Um bom Espírito
pode, para os fazer avançar, escolher uma vida de influência entre esses povos.
Então se trata de uma missão.
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