LIVRO SEGUNDO
MUNDO ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO IX– INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPÓREO
VI- Anjos da Guarda, Espíritos Protetores, Familiares ou Simpáticos.
(Questões 489 à 521)
Há Espíritos que se ligam a um indivíduo em particular para o proteger, como um irmão espiritual; é o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.
O anjo da guarda é o Espírito protetor de uma ordem elevada, cuja missão se assemelha a de um pai para com os filhos: conduzir o seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com os seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições sustentar sua coragem nas provas da vida.
O Espírito protetor é ligado ao indivíduo desde o seu nascimento até a sua morte, e freqüentemente o segue depois da morte, na vida espírita, e mesmo através de numerosas experiências corpóreas porque essas existências não são mais do que fases bem curtas da vida do Espírito.
O Espírito protetor é obrigado a velar por vós porque aceitou essa tarefa mas pode escolher os seres que lhe são simpáticos. Para uns, isso é um prazer; para outros, uma missão ou um dever.
Ligando-se a uma pessoa, o Espírito não renuncia a proteger outros indivíduos, mas o faz de maneira mais geral.
O Espírito protetor não está fatalmente ligado ao ser que foi confiado à sua guarda. Acontece freqüentemente que certos Espíritos deixam sua posição pura cumprir diversas missões, mas nesse caso são substituídos.
O Espírito protetor não abandona o protegido, quando este se mostra rebelde às suas advertências; Afasta-se quando vê que os seus conselhos são inúteis e que é mais forte a vontade do protegido em submeter-se à influência dos Espíritos inferiores, mas não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É o homem quem lhe fecha os ouvidos. Ele volta, logo que chamado.
Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre ao vosso lado seres que vos são superiores, que estão sempre ali para vos aconselhar, vos sustentar, vos ajudar a escalar a montanha escarpada do bem, que são amigos mais firmes e mais devotados que as mais íntimas ligações que se possam contrair na Terra, não é essa uma idéia bastante consoladora? Esses seres ali estão por ordem de seu Deus, que os colocou ao vosso lado; ali estão por seu amor, e cumprem junto a vos todos uma bela mas penosa missão. Sim, onde quer que estiverdes, vosso anjo estará convosco: nos cárceres, nos hospitais, nos antros do vício, na solidão, nada vos separa desse amigo que não podeis ver, mas do qual vossa alma recebe os mais doces impulsos e ouve os mais sábios conselhos.
Ah! por que não conheceis melhor esta verdade? Quantas vezes ela vos ajudaria nos momentos de crise; quantas vezes ela vos salvaria dos maus Espíritos! Mas no dia decisivo este anjo de bondade terá muitas vezes de vos dizer: “Não te avisei disso? E não afizeste! Não te mostrei o abismo? E nele te precipitaste! Não fiz soar na tua consciência a voz da verdade, e não seguiste os conselhos da mentira?”. Ah! interpelai vossos anjos da guarda, estabelecei entre vós e eles essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos! Não penseis em lhes ocultar nada, pois eles são os olhos de Deus e não os podeis enganar! Considerai o futuro; procurai avançar nesta vida, e vossas provas serão mais curtas, vossas existências mais felizes. Vamos, homens, coragem! Afastai para longe de vós, de uma vez por todas, preconceitos e segundas intenções! Entrai na nova via que se abre diante de vós, marchai, marchai! Tendes guias, segui-os; a meta não vos pode faltar porque essa meta é o próprio Deus.
Aos que pensassem que é impossível a Espíritos verdadeiramente elevados se restringirem a uma tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que influenciamos as vossas almas, embora estando a milhões de léguas de distância: para nós o espaço não existe, e mesmo vivendo em outro mundo os nossos Espíritos, conservam sua ligação convosco. Gozamos de faculdades que não podeis compreender, mas estais certos de que Deus não vos impôs uma tarefa acima de vossas forças, nem vos abandonou sozinhos sobre a Terra, sem amigos e sem amparo.
Cada anjo da guarda tem o seu protegido e vela por ele como um pai vela pelo filho. Sente-se feliz quando o vê no bom caminho; chora quando os seus conselhos são desprezados.
Não temais fatigar-nos com as vossas perguntas; permanecei, pelo contrário, sempre em contato conosco: sereis então mais forte e mais felizes. São essas comunicações de cada homem com seu Espírito familiar que fazem médiuns a todos os homens, médiuns hoje ignorados, mas que mais tarde se manifestarão, derramando-se como um oceano sem bordas para fazer refluir a incredulidade e a ignorância. Homens instruídos, instruí; homens de talento, educai vossos irmãos. Não sabeis que a obra assim realizais: é a do Cristo, a que Deus vos impõe. Por que Deus vos concedeu a inteligência e a ciência, senão para as repartirdes com vossos irmãos, para os adiantar na senda da ventura e da eterna bem aventurança?
São Luiz, Santo Agostinho.
Comentário de Kardec: A doutrina dos anjos da guarda, velando pelos protegidos apesar da distância que separa os mundos, nada tem que deva surpreender, pelo contrário, é grande e sublime. Não vemos sobre a Terra um pai velar pelo filho, ainda que esteja distante, e ajuda-lo com seus conselhos através da correspondência? Que haveria de admirar em que os Espíritos possam guiar, de um mundo ao outro, os que tomaram sob sua proteção, pois se, para eles, a distância que separa os mundos é menor que a que divide os continentes da Terra? Não dispõem eles do fluido universal que liga a todos os mundos e os torna solidários, veículo imenso da transmissão do pensamento, como o ar é para nós o veículo da transmissão do som?
Os bons Espíritos jamais fazem o mal; deixam que o façam os que lhes tomam o lugar, e então acusais a sorte pelas desgraças que vos oprimem, enquanto a falta é vossa.
O Espírito protetor necessariamente não deixa seu protegido à mercê de um Espírito que o quisesse mal a não ser que o queira. Existe a união dos maus Espíritos para neutralizar a ação dos bons, mas, se o protegido quiser, dará toda força ao seu bom Espírito. Esse talvez encontre, em algum lugar, uma boa vontade a ser ajudada, e a aproveita, esperando o momento de voltar junto ao seu protegido.
Quando o Espírito protetor deixa o seu protegido se extraviar na vida, não é por impotência para enfrentar os Espíritos maléficos, mas porque ele não o quer: seu protegido sai das provas mais perfeito e instruído, e ele o assiste com os seus conselhos, pelos bons pensamentos que lhe sugere, mas que infelizmente nem sempre são ouvidos. Não é senão a fraqueza, o desleixo ou o orgulho do homem que dão força aos maus Espíritos. Seu poder sobre vós só provém do fato de não lhes opordes resistência.
O Espírito não está constantemente com o protegido, mas mantém sempre a sintonia com o mesmo. Há circunstâncias em que a presença do Espírito protelar não é necessária, junto ao protegido.
Chega um momento em que o Espírito não tem mais necessidade do anjo da guarda; é quando se torna capaz de guiar-se por si mesmo, como chega um momento em que o estudante não mais precisa de mestre. Mas isso não acontece na Terra.
A ação dos Espíritos em nossa vida é oculta, e, quando eles nos protegem, não o fazem de maneira ostensiva pois que se contásseis com o seu apoio, não agiríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não progrediria. Para que ele possa adiantar-se, necessita de experiência e em geral é preciso que adquira à sua custa; é necessário que exercite as suas forças, sem o que seria como uma criança a quem não deixam andar sozinha. A ação dos Espíritos que vos querem bem é sempre de maneira a vos deixar o livre-arbítrio, porque se não tivésseis responsabilidade não vos adiantaríeis na senda que vos deve conduzir a Deus. Não vendo quem o ampara, o homem se entrega às suas próprias forças; não obstante, o seu guia vela por ele e de quando em quando o adverte do perigo.
O Espírito protetor que consegue conduzir o seu protegido pelo bom caminho experimenta com isso algum bem para si mesmo, pois que é um mérito que lhe será levado em conta, seja para o seu próprio adiantamento, seja para sua felicidade. Ele se sente feliz quando vê os seus cuidados coroados de sucesso; é para ele um triunfo, como um preceptor triunfa com os sucessos do seu discípulo.
Porém, ele não é o responsável, quando não o consegue, pois fez o que dele dependia.
O Espírito protetor que vê o seu protegido seguir um mau caminho, apesar dos seus avisos, sofre com isso e os lamenta, mas essa aflição nada tem das angústias da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para o mal, e que o que hoje não se fez, amanhã se fará.
Não adianta sabermos o nome do nosso Espírito protetor ou anjo da guarda, pois que não há somente os nomes que conheces.
Para então o invocar, dai-lhe o nome que quiserdes, o de um Espírito superior pelo qual tendes simpatia e veneração; vosso protetor atenderá a esse apelo, porque todos os bons Espíritos são irmãos e se assistem mutuamente.
Os Espíritos protetores que tomam nomes comuns nem sempre são os de pessoas que tiveram esses nomes, mas Espíritos que lhes são simpáticos e que, muitas vezes, vêm por sua ordem. Necessitais de um nome: então, eles tomam um que vos inspire confiança. Quando não podeis cumprir pessoalmente uma missão, enviais alguém de vossa confiança que age em vosso nome.
Quando estivermos na vida espírita reconheceremos nosso Espírito protetor, pois freqüentemente o conhecestes antes da vossa encarnação.
Os Espíritos protetores pertencem todos à classe dos Espíritos superiores, e um pai, por exemplo, pode tornar-se Espírito protetor de seu filho pois que a proteção supõe um certo grau de elevação, e um poder e uma virtude a mais, concedidos por Deus. O pai que protege o filho pode ser assistido por um Espírito mais elevado.
Os Espíritos que deixaram a Terra em boas condições podem proteger os que os amaram e lhes sobreviveram, porém seu poder é mais ou menos restrito; a posição em que se encontram não lhes permite inteira liberdade de ação.
Cada homem tem um Espírito que vela por ele, mas as missões são relativas ao seu objeto. Não dareis a uma criança que aprende a ler um professor de filosofia. O progresso do Espírito familiar segue o do Espírito protegido. Tendo um Espírito superior que vela por vós, podeis também vos tornardes o protetor de um Espírito que vos seja inferior, e o progresso que o ajudardes afazer contribuirá para o vosso adiantamento. Deus não pede ao Espírito mais do que aquilo que a sua natureza e o grau a que tenha atingido possam comportar.
É muito difícil de acontecer que quando o pai que vela pelo filho se reencarna, continua ainda a velar por ele, mas ele pede, num momento de desprendimento, que um Espírito simpático o assista nessa missão. Aliás, os Espíritos não aceitam senão as missões que podem cumprir até o fim.
O Espírito encarnado, sobretudo nos mundos onde a existência é material, é demasiado sujeito ao corpo para poder devotar-se inteiramente a outro, ou seja, assisti-lo pessoalmente. Eis porque os não suficientemente elevados estão sob a assistência de Espíritos que lhes são superiores, de tal maneira que, se um faltar, por um motivo qualquer, será substituído por outro.
Além do Espírito protetor, um mau Espírito procura desviar o homem do bom caminho quando encontra ocasião a cada indivíduo, com o fim de impulsioná-lo ao mal e de lhe propiciar uma ocasião de lutar entre o bem e o mal, mas quando um deles se liga a um indivíduo o faz por si mesmo, porque espera ser escutado; então haverá luta entre o bom e o mau e vencerá aquele a cujo domínio o homem se entregar.
Cada homem tem sempre Espíritos simpáticos, mais ou menos elevados, que lhe dedicam afeição e se interessam por ele, como há, também, os que o assistem no mal.
Os Espíritos simpáticos as vezes podem ter uma missão temporária mas em geral são apenas solicitados pela similitude de pensamentos e de sentimentos, no bem como no mal.
Parece resultar daí que os Espíritos simpáticos podem ser bons ou maus, pois que, o homem encontra sempre Espíritos que simpatizam com ele qualquer que seja o seu caráter.
Os Espíritos familiares, os Espíritos Simpáticos ou os Espíritos protetores são apenas nomes diferentes pois que há muitas gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os nomes que quiserdes. O Espírito familiar é antes de tudo o amigo da casa.
Comentário de Kardec: Das explicações acima e das observações feitas sobre a natureza dos Espíritos que se ligam ao homem podemos deduzir o seguinte:
O Espírito protetor, anjo da guarda ou bom gênio, é aquele que tem por missão seguir o homem na vida e o ajudar a progredir. É sempre de uma natureza superior à do protegido.
Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por meio de laços mais ou menos duráveis, com o fim de ajudá-las na medida de seu poder, freqüentemente bastante limitado. São bons, mas às vezes pouco adiantados e mesmo levianos, ocupam-se voluntariamente de pormenores da vida íntima e só agem por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores.
Os Espíritos simpáticos são os que atraímos a nós por afeições particulares e uma certa semelhança de gostos e de sentimentos, tanto no bem como no mal. A duração de suas relações é quase sempre subordinada às circunstâncias.
O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso que se liga ao homem com o fim de o desviar do bem, mas age pelo seu próprio impulso e não em virtude de uma missão. Sua tenacidade está na razão do acesso mais fácil ou mais difícil que encontre. O homem é sempre livre de ouvir a sua voz ou de a repelir.
Sobre aquelas pessoas que parecem ligar-se a certos indivíduos para levá-los fatalmente à perdição ou para guiá-los no bom caminho deve-se pensar que algumas pessoas exercem um efeito sobre outras, uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando isso acontece para o mal são maus Espíritos, de que se servem outros maus Espíritos, para melhor subjugarem as suas vítimas. Deus pode permiti-lo para vos experimentar.
Nosso bom e nosso mau gênio poderiam encarnar-se para nos acompanharem na vida de maneira mais direta, mas freqüentemente, também, eles encarregam dessa missão outros espíritos encarnados que lhes são simpáticos.
Alguns Espíritos se ligam aos membros de uma mesma família, que vivem juntos e são unidos por afeição, mas não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das raças.
Os Espíritos vão de preferência aonde estão os seus semelhantes, pois nesses lugares podem estar à vontade e mais seguros de ser ouvidos. O homem atrai os Espíritos em razão de suas tendências, quer esteja só ou constitua um todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade ou um povo. Há, pois, sociedades, cidades e povos que são assistidos por Espíritos mais ou menos elevados, segundo o seu caráter e as paixões que os dominam. Os Espíritos imperfeitos se afastam dos que os repelem e disso resulta que o aperfeiçoamento moral de um todo coletivo, como o dos indivíduos, tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que despertam e mantêm o sentimento do bem nas massas, da mesma maneira por que outros podem insuflar-lhes as más paixões.
As aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações têm o seus Espíritos protetores especiais, porque essas reuniões são de individualidades coletivas que marcham para um objetivo comum e têm necessidade de uma direção superior.
A natureza dos Espíritos protetores das massas é relativa ao grau de adiantamento das massas como dos indivíduos.
Alguns Espíritos podem ajudar o progresso das Artes, protegendo os que delas se ocupam, pois há Espíritos especiais e que assistem aos que os invocam, quando os julgam dignos; mas que quereis que eles façam com os que creem ser o que não são? Eles não podem fazer ver os cegos nem ouvir os surdos.
Comentário de Kardec: Os antigos haviam feito desses Espíritos divindades especiais. As Musas eram a personificação alegórica dos Espíritos protetores das Ciências e das Artes, como designavam pelos nomes de lares e penates os Espíritos protetores da família. Entre os modernos, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países têm também seus patronos ou protetores, que são os Espíritos superiores, mas sob outros nomes.
Cada homem tendo os seus Espíritos simpáticos, disso resulta que em todas as coletividades a generalidade dos Espíritos simpáticos está em relação com a generalidade dos indivíduos; que os Espíritos estranhos são para elas atraídos pela identidade de gostos e de pensamentos; em uma palavra, que essas aglomerações, tão bem como os indivíduos, são mais ou menos bem envolvidas, assistidas e influenciadas segundo a natureza dos pensamentos da multidão.
Entre os povos, as causas de atração dos Espíritos são os costumes, os hábitos, o caráter dominante, as leis, sobretudo, porque o caráter da nação se reflete nas suas leis. Os homens que fazem reinar a justiça entre eles combatem a influência dos maus Espíritos. Por toda parte onde a lei consagra as coisas injustas, contrárias à Humanidade, os bons Espíritos estão em minoria e a massa dos maus, que para ali afluem, entretém a nação nas suas ideias e paralisam as boas influências parciais, que ficam perdidas na multidão, como espigas isoladas em meio de espinheiros. Estudando-se os costumes dos povos, ou de qualquer reunião de homens, é fácil, portanto, fazer ideia da população oculta que se imiscui nos seus pensamentos e nas suas ações.
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