II- OS ANIMAIS E OS HOMENS, Livro Segundo, CAPÍTULO XI- OS TRÊS REINOS

LIVRO SEGUNDO
MUNDO ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO XI– OS TRÊS REINOS
II-         Os Animais e os Homens
(Questões 592 à 610)
Se comparamos o homem e os animais em relação à inteligência, parece difícil estabelecer a linha de demarcação, porque certos animais têm, nesse terreno, notória superioridade sobre certos homens. Essa linha de demarcação não pode ser estabelecida de maneira precisa, visto que vossos filósofos não estão muito de acordo. Uns querem que o homem seja um animal, e outros que o animal seja um homem. Estão todos errados. O homem é um ser à parte, que desce, às vezes, muito baixo ou que pode elevar-se muito alto. No físico, o homem é como os animais e menos bem provido que muitos dentre eles; a Natureza lhes deu tudo aquilo que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência para prover às suas necessidades e à sua conservação. Seu corpo se destrói como o dos animais, isto é certo, mas o seu Espírito tem um destino que só ele pode compreender, porque só ele é completamente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pelo pensamento de Deus.
Não podemos dizer que os animais só agem por instinto, pois ainda nisso há um sistema. É bem verdade que o instinto domina na maioria dos animais; mas não vês que há os que agem por uma vontade determinada? E que têm inteligência, mas ela é limitada.
 Comentário de Kardec:  Além do instinto, não se poderia negar a certos animais a prática de atos combinados que denotam a vontade de agir num sentido determinado e de acordo com as circunstâncias. Há neles, portanto, uma espécie de inteligência mas cujo exercício é mais precisamente concentrado sobre os meios de satisfazer às suas necessidades físicas e proverá sua conservação. Não há entre eles nenhuma criação nenhum melhoramento; qualquer que seja a arte que admiramos em seus trabalhos, aquilo que faziam antigamente é o mesmo que fazem hoje, nem melhor nem pior segundo formas e proposições constantes e invariáveis. Os filhotes separados de sua espécie não deixam de construir o seu ninho de acordo com o mesmo modelo sem terem sido ensinados. Se alguns são suscetíveis de uma certa educação, esse desenvolvimento intelectual, sempre fechado em estreitos limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza flexível, pois não fazem nenhum progresso por si mesmos, e esse progresso é efêmero, puramente individual, porque o animal, abandonado a si próprio, não tarda a voltar aos limites traçados pela Natureza.
Os animais não têm uma linguagem formada de palavras e de sílabas; mas num meio de se comunicarem entre si, então, sim. Eles se dizem muito mais coisas do que supondes, mas a sua linguagem é limitada, como as próprias ideias, às suas necessidades.
Há animais que não possuem voz; porém, esses não parecem destituídos de linguagem. Compreendem-se por outros meios. Vós, homens, não tendes mais do que a palavra para vos comunicardes? E dos mudos, que dizeis? Os animais, sendo dotados da vida de relação, têm meios de se prevenir e de exprimir as sensações que experimentam. Pensas que os peixes não se entendem? O homem não tem o privilégio da linguagem, mas a dos animais é instintiva e limitada pelo círculo exclusivo das suas necessidades e das suas ideias, enquanto a do homem é perfectível e se presta a todas as concepções da sua inteligência.
Comentário de Kardec: Realmente, os peixes que emigram em massa, bem como as andorinhas, que obedecem ao guia, devem ter meios de se advertir de se entender e de se combinar. Talvez o façam entre si, ou talvez a água seja um veículo que lhes transmita certas vibrações. Seja o que for, é incontestável que eles dispõem de meios para se entenderem, da mesma maneira que todos os animais privados de voz e que realizam trabalhos em comum. Deve-se admirar, diante disso, que os Espíritos possam comunicar-se entre eles sem o recurso da palavra articulada? (Ver item 282.)
Os animais não têm propriamente livre-arbítrio, mas também não são simples máquinas, como supondes, mas sua liberdade de ação é limitada pelas suas necessidades, e não pode ser comparada à do homem. Sendo muito inferiores a este, não têm os mesmos deveres. Sua liberdade é restrita aos atos da vida material.
A aptidão de certos animais para imitar a linguagem do homem, e o porquê que essa aptidão se encontra mais entre as aves do que entre  os símios, por exemplo, cuja conformação tem mais analogia com a humana, se deve à conformação particular dos órgãos vocais, secundada pelo instinto da imitação. O símio imita os gestos; certos pássaros imitam a voz.     
Pois se os animais têm uma inteligência que lhes dá uma certa liberdade de ação, há neles um princípio independente da matéria, e que sobrevive ao corpo. Esse princípio é também, se o quiserdes: isso depende do sentido em que se tome a palavra; mas é inferior à do homem. Há, entre a alma dos animais e a do homem, tanta distância quanto entre a alma do homem e Deus.
A alma dos animais conserva após a morte sua individualidade mas não a consciência de si mesma. A vida inteligente permanece em estado latente.
A alma dos animais não pode escolher a espécie em que prefira encarnar-se, pois ela não tem o livre-arbítrio.
A alma do animal, sobrevivendo ao corpo, fica numa espécie de erraticidade, pois não está unida a um corpo.
 Mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e age por sua livre vontade; o dos animais não tem a mesma faculdade. É a consciência de si mesmo que constitui o atributo principal do Espírito. O Espírito do animal é classificado, após a morte, pelos Espíritos incumbidos disso e utilizado quase imediatamente; não dispõe de tempo para se pôr em relação com outras criaturas.
Os animais seguem uma lei progressiva assim como os homens, e é por isso que nos mundos superiores onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios de comunicação mais desenvolvidos. São, porém, sempre inferiores e submetidos aos homens, sendo, para estes, servidores inteligentes.
      Nada há nisso de extraordinário. Suponhamos os nossos animais de maior inteligência, como o cão, o elefante, o cavalo, dotados de uma conformação apropriada aos trabalhos manuais. O que não poderiam fazer sob a direção do homem?                 
   Os animais progridem, não como o homem, por sua própria vontade, mas pela força das coisas; e é por isso que, para eles, não existe expiação.
Nos mundos superiores, os animais não conhecem a Deus. O homem é um deus para eles, como antigamente os Espíritos foram deuses para os homens.
Os animais, mesmo aperfeiçoados nos mundos superiores, sendo sempre interiores aos homens, não quer dizer que Deus tivesse criado seres intelectuais perpetuamente votados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso que se assinalam em todas as suas obras. Tudo se encadeia na Natureza por liames que não podeis ainda perceber, e as coisas aparentemente mais disparatadas têm pontos de contato que o homem jamais chegará a compreender no seu estado atual. Pode entrevê-los por um esforço de sua inteligência, mas somente quando essa inteligência tiver atingido todo o seu desenvolvimento e se libertado dos prejuízos do orgulho e da ignorância poderá ver claramente na obra de Deus. Até lá suas ideias limitadas lhe faraó ver as coisas de um ponto de vista mesquinho. Sabei que Deus não pode contradizer-se e que tudo, na Natureza, se harmoniza através de leis gerais que jamais se afastam da sublime sabedoria do Criador.
A inteligência é, assim, uma propriedade comum, um ponto de encontro entre a alma dos animais e a do homem, mas os animais não têm senão a inteligência da vida material; nos homens, a inteligência produz a vida moral.
Se considerarmos todos os pontos de contato existentes entre o homem e os animais, não poderíamos pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se ele não tivesse esta última, poderia viver só como os animais? Dizendo de outra maneira: o animal é um ser semelhante ao homem, menos a alma espírita? Disso não resultaria que os bons e os maus instintos do homem seriam o efeito da predominância de uma ou outra dessas duas almas, pois o homem não tem duas almas, mas o corpo tem os seus instintos, que resultam da sensação dos órgãos. Não há no homem senão uma dupla natureza: a natureza animal e a espiritual. Pelo seu corpo, ele participa da natureza dos animais e dos seus instintos; pela sua alma, participa da natureza dos Espíritos.
Assim, além das suas próprias imperfeições, de que o Espírito deve despojar-se, deve ele lutar contra a influência da matéria, pois quanto mais inferior é ele, mais apertados são os laços entre o Espírito e a matéria. Não o vedes? Não, o homem não tem duas almas; a alma é sempre única, um ser único. A alma do animal e a do homem são distintas entre si, de tal maneira que a de um não pode animar o corpo criado para o outro. Mas se o homem não possui uma alma animal, que por suas paixões o coloque no nível dos animais, tem o seu corpo que o rebaixa frequentemente a esse nível, porque o seu corpo é um ser dotado de vitalidade, que tem instintos, mas ininteligentes e limitados ao interesse de sua conservação.
 Comentário de Kardec: O Espírito, encarnando-se no corpo do homem, transmite-lhe o princípio intelectual e moral que o torna superior aos animais. As duas naturezas existentes no homem oferecem ás suas paixões duas fontes diversas: umas provêm dos instintos da natureza, outras das impurezas do Espírito encarnado, que simpatiza em maior ou menor proporção com a grosseria dos apetites animais. O Espírito, ao se purificar, liberta-se pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, ele se aproxima dos brutos; liberto dessa influência, eleva-se ao seu verdadeiro destino.
Os animais tiram o princípio inteligente que constitui a espécie particular de alma de que são dotados do elemento inteligente universal.
A inteligência do homem e a dos animais emanam, portanto, de um princípio único. Sem nenhuma dúvida; mas no homem ela passou por uma elaboração que a eleva sobre a dos brutos.
Ficou dito que a alma do homem, em sua origem, assemelha-se ao estado de infância da vida corpórea, que a sua inteligência apenas desponta e que ela ensaia para a vida. O Espírito nessa primeira fase, se cumpre numa série de existências que precedem o período que chamais de Humanidade.
Parece, assim, que a alma teria sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, pois não dissemos que tudo se encadeia na Natureza e tende à unidade?               
É nesses seres, que estais longe de conhecer inteiramente, que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e ensaia para a vida, como dissemos. É, de certa maneira, um trabalho preparatório, como o de germinação, em seguida ao qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. É então que começa para ele o período de humanidade, e com este a consciência do seu futuro, a distinção do berne do mal e a responsabilidade dos seus atos. Corno depois do período da infância vem o da adolescência, depois a juventude, e por fim a idade madura. Nada há de resto, nessa origem, que deva humilhar o homem. Os grandes gênios sentem-se humilhados por terem sido fetos informes no ventre materno? Se alguma coisa deve humilhá-los é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para sondar a profundeza de seus desígnios e a sabedoria das leis que regulam a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia que faz a solidariedade de todas as coisas na Natureza. Crer que Deus pudesse ter feito qualquer coisa sem objetivo e criar seres inteligentes sem futuro seria blasfemar contra a sua bondade, que se estende sobre todas as suas criaturas.
Esse período de humanidade não começa sobre a nossa Terra. A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período de humanidade começa, em geral, nos mundos ainda mais inferiores. Essa, entretanto, não é uma regra absoluta e poderia acontecer que um Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na Terra. Esse caso não é frequente e seria antes uma exceção.
O Espírito do homem, após a morte, não tem consciência das existências que precederam, para ele, o período de humanidade, porque não é senão desse período que começa para ele a vida de Espírito, e é mesmo difícil que se lembre de suas primeiras existências como homem, exatamente como o homem não se lembra mais dos primeiros tempos de sua infância, e ainda menos do tempo que passou no ventre materno. Eis porque os Espíritos vos dizem que não sabem como começaram.
O Espírito, tendo entrado no período da humanidade, nem sempre conserva ainda os traços do que havia sido precedentemente, ou seja, do estado em que se encontrava no período que se poderia chamar anti-humano, pois isso depende da distância que separa os dois períodos e do progresso realizado. Durante algumas gerações, ele pode conservar um reflexo mais ou menos pronunciado do estado primitivo, porque nada na Natureza se faz por transição brusca; há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia do   seres e dos acontecimentos. Mas esses traços desaparecem com o desenvolvimento do livre-arbítrio. Os primeiros progressos se realçam lentamente, porque não são ainda secundados pela vontade, mas seguem uma progressão mais rápida à medida que o Espírito adquire consciência mais perfeita de si mesmo.
Os Espíritos que disseram que o homem é um ser à parte na ordem da criação não se enganaram, mas a questão não havia sido desenvolvida e há coisas que não podem vir senão a seu tempo. O homem é, de fato, um ser à parte porque tem faculdades que o distinguem de todos os outros e tem outro destino A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que o podem conhecer.
Descartes ensinava que os animais são máquinas, agindo segundo as leis naturais, por não terem espírito. Essa concepção, que no tempo de Kardec era ainda bastante difundida, prevalece até hoje entre a maioria dos homens. Os Espíritos a contestam, como se vê, e a sua opinião é referenciada pelas Ciências. (N. do T.)
 Os Espíritos levantam aqui um problema filosófico, o do “ser do corpo”, que o desenvolvimento da Filosofia Espírita tende a esclarecer. Ver obras especializadas. (N. do T.)
A dialética marxista contraria aparentemente este princípio com a afirmação de que a Natureza “dá saltos”. Na realidade esses saltos são qualitativos e decorrem da acumulação de pequenas modificações quantitativas, ou seja, de uma cadeia de ações e reações. Engels afirmou:  Embora com toda a graduação, a transição de uma forma de movimento para outra sempre se apresenta como um salto, que resolve em revolução”. Esta teoria justifica a revolução social. Mas essa mesma revolução, segundo o marxismo, só pode ocorrer em condições especiais, preparadas por uma longa série de acontecimentos. Dessa maneira mesmo diante da concepção materialista revolucionária, permanece válido em sua substância o princípio espírita “nada na Natureza se faz por transição brusca” Todo “salto” é o fim uma cadeia de ações e reações. (N. do T.)



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