LIVRO
SEGUNDO
MUNDO
ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO
VIII– EMANCIPAÇÃO DA ALMA
I-
O Sono e os Sonhos
(Questões 400 à 412)
Perguntar se o Espírito encarnado permanece voluntariamente no envoltório
corporal seria o mesmo que perguntar se o prisioneiro está satisfeito sob as
chaves. O Espírito encarnado aspira incessantemente à libertação, e quanto mais
grosseiro é o envoltório, mais deseja ver-se desembaraçado.
Durante o sono, a alma não repousa como o corpo visto que o
Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, os liames que o unem ao corpo se
afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então, ele percorre o espaço e
entra em relação mais direta com os outros Espíritos.
Podemos julgar da liberdade do Espírito durante o sono pelos
sonhos. Sabei que, quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades
que no estado de vigília. Tem a lembrança do passado e, às vezes, a previsão do
futuro; adquire mais poder e pode entrar em comunicação com os outros
espíritos, seja deste mundo, seja de outro.
Frequentemente
dizes: “Tive um sonho bizarro, um sonho horrível, mas que não tem nenhuma
verossimilhança”. Enganas-te. E quase sempre uma lembrança de lugares e de
coisas que viste ou que verás numa outra existência ou em outra ocasião. O
corpo estando adormecido, o Espírito trata de quebrar as suas cadeias para
investigar no passado ou no futuro.
Pobres homens, que conheceis tão pouco dos mais ordinários fenômenos da vida!
Acreditais ser muito sábios, e as coisas mais vulgares vos embaraçam. A esta
pergunta de todas as crianças: “O que é que fazemos quando dormimos; o que são
os sonhos?”, ficais sem resposta.
O sono liberta parcialmente a alma do corpo. Quando o homem dorme,
momentaneamente se encontra no estado em que estará de maneira permanente após
a morte. Os Espíritos que logo se desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram
sonhos inteligentes. Esses Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos
que lhes são superiores: viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham
mesmo em obras que encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos deveis
aprender, uma vez mais, a não ter medo da morte, pois morreis todos os dias,
segundo a expressão de um santo.
Isto para os Espíritos elevados; pois a massa dos homens que, com a morte,
devem permanecer longas horas nessa perturbação, nessa incerteza de que vos têm
falado, vão seja a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os chamam,
seja à procura de prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam aqui; vão
beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que
professavam entre vós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra coisa
senão o fato de nos sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração àqueles com
quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de prazer. O que
explica também as antipatias invencíveis é que sentimos, no fundo do coração,
que essas pessoas têm uma consciência diversa da nossa, porque as conhecemos
sem jamais as ter visto. E ainda o que explica a indiferença, pois não
procuramos fazer novos amigos, quando sabemos ter os que nos amam e nos querem.
Numa palavra: o sono influi mais do que pensais, sobre a nossa vida.
Por efeito do sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo
dos Espíritos, e é isso o que faz que os Espíritos superiores consintam, sem
muita repulsa, em encarnar-se entre vós. Deus quis que durante o seu contato
com o vício pudessem eles retemperar-se na fonte do bem, para não falirem, eles
que vinham instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para o
contato com os seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho, enquanto
esperam o grande livramento, a libertação final que deve restituí-los ao seu
verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o vosso Espírito viu durante o sono;
mas observai que nem sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais
daquilo que vistes ou de tudo o que vistes. Isso porque não tendes a vossa alma
em todo o seu desenvolvimento; frequentemente não vos resta mais do que a
lembrança da perturbação que acompanha a vossa partida e a vossa volta, a que
se junta a lembrança do que fizeste ou do que vos preocupa no estado de
vigília. Sem isto, como explicaríeis esses sonhos absurdos, a que estão
sujeitos tanto os mais sábios quanto os mais simples? Os maus Espíritos também
se servem dos sonhos, para atormentar as almas fracas e pusilânimes.
De resto, vereis dentro em pouco desenvolver-se uma outra espécie de sonhos;
uma espécie tão antiga como a que conheceis, mas que ignorais. O sonho de
Joana, o sonho de Jacó, o sonho dos profetas judeus e de alguns indivíduos
indianos: esse sonho é a lembrança da alma inteiramente liberta do corpo, a
recordação dessa segunda vida de que há pouco eu vos falava.
Procurai distinguir bem essas duas espécies de sonhos, entre aqueles de que vos
lembrardes; sem isso, cairíeis em contradições e em erros que seriam funestos
para a vossa fé.
Comentário de Kardec: Os sonhos
são o produto da emancipação da alma, que se torna mais independente pela
suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência
indefinida, que se estende aos lugares os mais distantes ou que jamais se viu,
e algumas vezes mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que retraça na
memória os acontecimentos verificados na existência presente ou nas existências
anteriores. A extravagância das imagens referentes ao que se passa ou se passou
em mundos desconhecidos entremeadas de coisas do mundo atual formam esses
conjuntos bizarros e confusos que parecem não ter senso nem nexo.
A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas decorrentes da
lembrança incompleta do que nos apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual
se tivessem truncado frases ou partes de frases ao acaso: os fragmentos
restantes sendo reunidos, perderiam toda significação racionai.
Quando não nos recordamos sempre dos sonhos, devemos chamar isso de SONO,
só tens o repouso do corpo, porque o Espírito está em movimento. No sono, ele
recobra um pouco de sua liberdade e se comunica com os que lhe são caros, seja
neste ou em outros mundos. Mas como o corpo é de matéria pesada e grosseira,
dificilmente conserva as impressões recebidas pelo Espírito, mesmo porque o
Espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo.
Devemos pensar da significação atribuída aos sonhos que os
sonhos não são verdadeiros, como entendem os ledores da sorte, pelo que é
absurdo admitir que sonhar com uma coisa anuncia outra. Eles são verdadeiros no
sentido de apresentarem imagens reais para o Espírito, mas que, frequentemente,
não têm relação com o que se passa na vida corpórea. Muitas vezes, ainda, como
já dissemos, são uma recordação. Podem ser, enfim, algumas vezes, um
pressentimento do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa no
momento em outro lugar a que a alma se transporta. Não tendes numerosos
exemplos de pessoas que aparecem em sonhos para advertir parentes e amigos do
que lhes está acontecendo? O que são essas aparições senão a alma ou o Espírito
dessas pessoas que se comunicam com a vossa? Quando adquiris a certeza de que
aquilo que vistes realmente aconteceu, não é isso uma prova de que a imaginação
nada tem com o fato, sobretudo se o ocorrido absolutamente não estava no vosso
pensamento durante a vigília?
Frequentemente se veem em sonhos coisas que parecem pressentimentos e que
não se cumprem para o encarnado, porém podem cumprir-se para o Espírito.
Quer dizer que o Espírito ver aquilo que deseja, porque vai procurá-lo. Não se
deve esquecer que, durante o sono, a alma está sempre mais ou menos sob a
influência da matéria e por conseguinte não se afasta jamais
completamente das ideias terrenas. Disso resulta que as preocupações da
vigília podem dar, àquilo que se vê, a aparência do que se deseja ou do que se
teme. A isso é que realmente se pode chamar um efeito da imaginação. Quando se
está fortemente preocupado com uma ideia, liga-se a ela tudo o que se vê.
Quando vemos em sonho pessoas vivas, que conhecemos perfeitamente,
praticarem atos em que não se sabe se são pensados ou imaginados, deve-se saber
que seus Espíritos podem vir visitar o teu, como o teu
pode visitar os deles, e nem sempre sabes o que pensam. Além disso,
frequentemente aplicais, a pessoas que conheceis, e segundo os vossos desejos,
aquilo que se passou ou se passa em outras existências.
Não é necessário o sono completo, para a emancipação do Espírito.
O Espírito recobra a sua liberdade quando os sentidos se entorpecem; ele
aproveita para se emancipar, todos os instantes de descanso que o corpo lhe
oferece. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende,
e quanto mais fraco estiver o corpo, mais o Espírito estará livre.
Comentário de Kardec: É assim que o cochilar, ou um simples
entorpecimento dos sentidos, apresenta muitas vezes as mesmas imagens do sonho.
Às vezes, ouvimos com nossas íntimas palavras pronunciadas distintamente
e que não têm nenhuma relação com o que nos preocupa, e
até mesmo frases inteiras, sobretudo quando os sentidos começam a se
entorpecer. É, às vezes, o fraco eco de um Espírito que deseja comunicar-se
contigo.
Muitas vezes, num estado que ainda não é o cochilo, quando temos os olhos
fechados, vemos imagens distintas, figuras das quais apanhamos os pormenores
mais minuciosos. Entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar a
sua cadeia: ele se transporta e vê, e se o sono fosse completo, isso seria
um sonho.
Têm-se às vezes, durante o sono ou o cochilo, ideias que parecem muito
boas e que, apesar dos esforços que se fazem para recordá-las, se apagam da
memória. Essas ideias são o resultado da liberdade do Espírito, que se
emancipa e goza, nesse momento, de mais amplas faculdades. Frequentemente,
também, são conselhos dados por outros Espíritos.
Essas ideias ou esses conselhos, cuja recordação se perde, pertencem,
algumas vezes, mais ao mundo dos Espíritos que ao mundo corpóreo, mas o mais frequente
é que, se o corpo as esquece, o Espírito as lembra, e a ideia volta no momento
necessário, como uma inspiração do momento.
O Espírito encarnado, nos momentos em que se desprende da matéria e age
como Espírito, muitas vezes pressente a época de sua morte,
e às vezes tem dela uma consciência bastante clara, o que lhe dá, no estado de
vigília, a sua intuição. É por isso que algumas pessoas preveem, às vezes,
a própria morte com grande exatidão.
A atividade do Espírito, durante o repouso ou o sono do corpo, pode
fatiga-lo, porque o Espírito está ligado ao corpo, como o balão
cativo ao poste. Ora, da mesma maneira que as sacudidas do balão abalam o
poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo, e pode produzir-lhe fadiga.
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