LIVRO TERCEIRO
AS LEIS MORAIS
CAPÍTULO V- LEI DE CONSERVAÇÃO
V- Privações Voluntárias- Mortificações
(Questão 718 a 727)
A lei de conservação obriga-nos a prover as necessidades do corpo, pois sem a energia e a saúde o trabalho é impossível.
O homem não é censurável por procurar o bem-estar. O bem-estar é um desejo natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação, e não considera um crime a procura do bem-estar, se este não for conquistado às expensas de alguém e se não enfraquecer as vossas forças morais nem as vossas forças físicas.
As privações voluntárias, com vistas a uma expiação igualmente voluntária, não têm tanto mérito aos olhos de Deus. Fazei o bem aos outros e tereis maior mérito.
Há privações voluntárias que sejam meritórias; a privação dos prazeres inúteis, porque liberta o homem da matéria e eleva sua alma. O meritório é resistir à tentação que vos convida aos excessos e ao gozo das coisas inúteis; é retirar do necessário para dar aos que o não têm. Se a privação nada mais for que um fingimento, será apenas uma irrisão.
A vida de mortificações no ascetismo tem sido praticada desde toda a Antiguidade e nos diferentes povos; Perguntai a quem ela aproveita e saberá se há mérito. Se não serve senão ao que a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísta, qualquer que seja o pretexto sob o qual se disfarce. Submeter-se a privações no trabalho pelos outros é a verdadeira mortificação, de acordo com a caridade cristã.
A abstenção de certos alimentos, prescrita entre diversos povos, funda-se na razão. Tudo aquilo de que o homem se possa alimentar, sem prejuízo para a sua saúde, é permitido. Mas os legisladores puderam interditar alguns alimentos com uma finalidade útil. E para dar maior crédito às suas leis apresentaram-nas como provindas de Deus.
A alimentação animal, para o homem, não é contrária à lei natural. Na vossa constituição física, a carne nutre a carne, pois do contrário o homem perece. A lei de conservação impõe ao homem o dever de conservar as suas energias e a sua saúde para poder cumprir a lei do trabalho. Ele deve alimentar-se, portanto, segundo o exige a sua organização.
A abstenção de alimentos animais ou outros, como expiação só é meritória, se o homem se priva em favor dos outros, pois Deus não pode ver mortificação quando não há privação séria e útil. Eis porque dizemos que os que só se privam em aparência são hipócritas.
As mutilações praticadas no corpo do homem ou dos animais é inútil e portanto, não pode ser agradável a Deus e o que é prejudicial lhe é sempre desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam a alma para ele, e é praticando as suas leis, em vez de violá-las, que podereis sacudir o jugo de vossa matéria terrena.
Os únicos sofrimentos que elevam são os naturais, porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários não servem para nada, quando nada valem para o bem de outros. Crês que os que abreviam a vida através de rigores sobre-humanos, como o fazem os banzos, os faquires e alguns fanáticos de tantas seitas, avançam na sua senda? Por que não trabalham, antes em favor dos seus semelhantes? Que vistam o indigente, consolem o que chora trabalhem pelo que está enfermo, sofram privações para o alívio dos infelizes e então sua vida será útil e agradável a Deus. Quando, nos sofrimentos voluntários a que se sujeita, o homem não tem em vista senão a si mesmo trata-se de egoísmo; quando alguém sofre pelos outros, pratica a caridade; são esses os preceitos do Cristo.
Se não devemos criar para nós sofrimentos voluntários que não são de nenhuma utilidade para os outros, devemos, no entanto, preservar-nos dos que prevemos ou dos que nos ameaçam. O instinto de conservação foi dado a todos os seres contra os perigos e os sofrimentos. Fustigai o vosso Espírito e não o vosso corpo, mortificai vosso orgulho, sufocai o vosso egoísmo que se assemelha a uma serpente a vos devorar o coração e fareis mais pelo vosso adiantamento do que por meio de rigores que não mais pertencem a este século.
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