LIVRO
SEGUNDO
MUNDO
ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO
II– ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS
III-
Materialismo
(Questão 147 à 148)
Os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os que se aprofundam nas
Ciências Naturais são frequentemente levados ao materialismo. Isso se explica
pois que o fisiologista refere tudo ao que vê. Orgulho dos
homens, que tudo creem saber, não admitindo que alguma coisa possa ultrapassar
o seu entendimento. Sua própria ciência os torna presunçosos. Pensam que a
Natureza nada lhes pode ocultar.
O materialismo não é uma consequência de estudos que deveriam, ao
contrário, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo.
E o homem que deles tira uma falsa consequência, pois ele pode abusar de tudo,
mesmo das melhores coisas. O nada, aliás, os apavora mais do que eles se
permitem aparentar, e os espíritos fortes são quase sempre mais fanfarrões do
que valentes. A maior parte deles são materialistas porque não dispõem de nada
para preencher o vazio. Diante desse abismo que se abre ante eles, mostrai-lhes
uma tábua de salvação, e a ela se agarrarão ansiosamente.
Comentário
de Kardec:
Por uma aberração da inteligência, há pessoas que não veem nos seres
orgânicos nada mais que a ação da matéria, e a estas atribuem todos os nossos
atos. Não veem no corpo humano senão a máquina elétrica; não estudaram o
mecanismo da vida senão no funcionamento dos órgãos; viram-na extinguir-se
muitas vezes pela ruptura de um fio, e nada mais perceberam além desse fio;
procuraram descobrir o que restava, e como não encontraram mais do que a
matéria inerte, não viram a alma escapar-se e nem puderam pegá-la, concluíram
que tudo estava nas propriedades da matéria, e que, portanto, após a morte, o
pensamento se reduz ao nada. Triste consequência, se assim fosse, porque então
o bem e o mal não teriam sentido; o homem estaria certo ao não pensar senão em
si mesmo e ao colocar acima de tudo a satisfação dos prazeres materiais; os
laços sociais estariam rompidos e os mais santos afetos destruídos para sempre.
Felizmente, essas ideias estão longe de ser generalizadas; pode-se mesmo dizer
que estão muito circunscritas, não constituindo mais do que opiniões
individuais, porque em parte alguma foram erigidas em doutrina. Uma sociedade
fundada sobre essa base traria em si mesma os germes da dissolução, e os
membros se despedaçariam entre si, como animais ferozes.
O
homem tem instintivamente a convicção de que tudo não se acaba para ele com a
vida; tem horror ao nada; é em vão que se obstina contra a ideia da vida
futura, e quando chega o momento supremo, são poucos os que não perguntam o que
deles vai ser, porque a ideia de deixar a vida para sempre tem qualquer coisa
de pungente. Quem poderia, com efeito, encarar com indiferença uma separação
absoluta e eterna de tudo o que ama? Quem poderia ver, sem terror, abrir-se à
sua frente o imenso abismo do nada, pronto a tragar para sempre todas as nossas
faculdades, todas as nossas esperanças, e ao mesmo tempo dizer: — Qual! Depois
de mim, nada, nada, nada mais que o nada; tudo se apagará da memória dos que
sobreviverem a mim; dentro em breve nenhum traço haverá de minha passagem pela
terra; o bem mesmo que eu fiz será esquecido pelos ingratos a quem servi; e
nada para compensar tudo isso, nenhuma perspectiva, a não ser a do meu corpo
devorado pelos vermes!
Este
quadro não tem qualquer coisa de horroroso e de glacial? A religião nos ensina
que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas uma existência futura, vaga e
indefinida, nada tem que satisfaça o nosso amor do positivo. E é isso que, para
muitos, engendra a dúvida. Está certo que tenhamos uma alma; mas o que é a
nossa alma? Tem ela uma forma, alguma aparência? É um ser limitado ou indefinido?
Dizem alguns que é um sopro de Deus; outros, que é uma centelha; outros,
uma parte do Grande Todo, o princípio da vida e da inteligência. Mas o que
é que tudo isso nos oferece? Que nos importa ter uma alma, se depois da morte
ela se confunde com a imensidade, como as gotas d’água no oceano? A perda da
nossa individualidade não é para nós o mesmo que o nada? Diz ainda que ela é
imaterial. Mas uma coisa imaterial não pode ter proporções definidas, e para
nós equivale ao nada. A religião nos ensina também que seremos felizes ou
desgraçados, segundo o bem ou o mal que tenhamos feito. Mas qual é esse bem que
nos espera no seio de Deus? E uma beatitude uma contemplação eterna, sem outra
ocupação que a de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma
realidade ou apenas um símbolo? A própria Igreja as compreende nesse último
sentido; mas, então, que sofrimentos são esses? Onde se encontra o lugar de
suplício? Em uma palavra, o que se faz e o que se vê nesse mundo que nos espera
a todos?
Ninguém
costuma-se dizer, voltou de lá para nos dar conta do que existe. Isto, porém é
um erro e a missão do Espiritismo é precisamente a de nos esclarecer sobre esse
futuro a de nos fazer, até certo ponto, vê-lo e tocá-lo, não mais pelo
raciocínio, mas através dos fatos. Graças às comunicações espíritas, isto não é
mais uma presunção, uma probabilidade sobre a qual uma pinta à vontade, que os
poetas embelezam com suas ficções ou enfeitam de imagens alegóricas que nos
seduzem. E a realidade que nos mostra a sua face, porque são os próprios seres
de além-túmulo que nos vêm contar a sua situação, dizer-nos o que fazem,
permitir-nos assistir, por assim dizer a todas as peripécias da sua nova vida,
e, por esse meio, nos mostram a sorte inevitável que nos está reservada, segundo
os nossos méritos ou os nossos delitos Há nessa alguma coisa de antirreligioso?
Bem pelo contrário, pois os incrédulos aí encontram a fé e os tíbios, uma
renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é o mais poderoso auxiliar da
religião. E se assim acontece é porque Deus o permite, e o permite para
reanimar as nossas esperanças vacilantes e nos conduzir ao caminho do bem,
pelas perspectivas do futuro.
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