LIVRO
SEGUNDO
MUNDO
ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS
CAPÍTULO
I– DOS ESPÍRITOS
VIII- Anjos e Demônios
(Questão 128 à 131)
Os seres que chamamos anjos, arcanjos, serafins não formam nenhuma categoria especial, de
natureza diferente da dos outros Espíritos; são
Espíritos puros: estão no mais alto grau da escala e reúnem em si todas as
perfeições.
Comentário
de Kardec:
A palavra anjo desperta geralmente a ideia da
perfeição moral; não obstante é frequentemente aplicada a todos os seres, bons
e maus, que existam fora da Humanidade. Diz-se: o bom e o mau anjo; o anjo da
luz e o anjo das trevas; e nesse caso ela é sinônima de Espírito ou de gênio.
Tomamo-la aqui na sua significação boa.
Os anjos também percorreram todos os graus. Mas, como
já dissemos: uns aceitaram a sua missão sem lamentar e chegaram mais depressa;
outros empregaram maior ou menor tempo para chegar à perfeição.
Aprende que
o teu mundo não existe de toda a eternidade e que muito antes de existir já
havia Espíritos no grau supremo; os homens por isso, acreditam que eles sempre
haviam sido perfeitos.
Se houvesse
demônios, eles seriam obra de Deus. E Deus seria justo e bom, criando seres
infelizes, eternamente voltados ao mal? Se há demônios, e no teu mundo inferior
e em outros semelhantes que eles residem: são esses homens hipócritas que fazem
de um Deus justo um Deus mal e vingativo, e que pensam lhe ser agradáveis pelas
abominações que cometem, em seu nome.
Comentário
de Kardec: A palavra demônio não implica a ideia de Espírito
mau, a não ser na sua acepção moderna, porque o termo grego dáimon, de que ela
deriva, significa gênio, inteligência, e se aplicou aos seres incorpóreos, bons
ou maus, sem distinção.
Os
demônios, segundo a significação vulgar do termo, seriam entidades
essencialmente malfazejas: e seriam, como todas as coisas, criação de Deus. Mas
Deus, que é eternamente justo e bom, não pode ter criado seres predispostos ao
mal por sua própria natureza, e condenados pela eternidade. Se não fossem obra
de Deus, seriam eternos como ele, e nesse caso haveria muitas potências
soberanas.
A
primeira condição de toda doutrina é a de ser lógica; ora, a dos demônios, no
seu sentido absoluto, falha neste ponto essencial. Que, na crença dos povos
atrasados, que não conheciam os atributos de Deus, admitindo divindades
malfazejas, também se admitissem os demônios, é concebível; mas para quem quer
que faca da bondade de Deus um atributo por excelência, é ilógico e
contraditório supor que ele tenha criado seres voltados ao mal e destinados a
praticá-lo perpetuamente, porque isso seria negar a sua bondade. Os partidários
do demônio se apoiam nas palavras do Cristo e não seremos nós que iremos
contestar a autoridade dos seus ensinos, que desejaríamos ver mais no coração
do que na boca dos homens; mas estariam bem certos do sentido que ele atribuía
à palavra demônio? Não se sabe que a forma alegórica é uma das características
da sua linguagem? Tudo o que o Evangelho contém deve ser tomado ao pé da letra?
Não queremos outra prova, além desta passagem;
“Logo
após esses dias de aflição, o sol se obscurecerá e a lua não dará mais a sua
luz, as estrelas cairão do céu e as potências celestes serão abaladas. Em
verdade vos digo que esta geração não passará, antes que todas essas coisas se
cumpram.” Não vimos a forma do texto bíblico contraditada pela Ciência no que
se refere à criação e ao movimento da Terra? Não pode acontecer o mesmo com
certas figuras empregadas pelo Cristo, que devia falar de acordo com o tempo e
a região em que se achava? O Cristo não poderia ter dito conscientemente uma
falsidade. Se, portanto, nessas palavras há coisas que parecem chocar a razão,
é que não as compreendemos ou que as interpretamos mal.
Os
homens fizeram com os demônios o mesmo que com os anjos. Da mesma maneira que
acreditam na existência de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram
também os Espíritos inferiores por seres perpetuamente maus. A palavra demônio
deve, portanto, ser entendida como referente aos Espíritos impuros, que frequentemente
não são melhores que os designados por esse nome, mas com a diferença de ser o
seu estado apenas transitório. São esses os Espíritos imperfeitos que protestam
contra as suas provações e por isso as sofrem por mais tempo, mas chegarão por
sua vez á perfeição, quando se dispuserem a tanto. Poderíamos aceitar a palavra
demônio com esta restrição. Mas, como ela é agora entendida num sentido
exclusivo, poderia induzir em erro, dando margem á crença na existência de
seres criados especialmente para o mal.
A
propósito de Satanás, é evidente que se trata da personificação do mal sob uma
forma alegórica, porque não se poderia admitir um ser maligno lutando de igual
para igual com a Divindade, e cuja única preocupação seria a de contrariar os
seus desígnios. Como o homem necessita de imagens e figuras para impressionar a
sua imaginação, pintou os seres incorpóreos com formas materiais dotados de
atributos que lembram as suas qualidades ou os seus defeitos Foi assim que os
antigos, querendo personificar o Tempo, deram-lhe a figura de um velho com uma
foice e uma ampulheta. Uma figura de jovem, nesse caso, seria um contrassenso.
O mesmo se deu com as alegorias da Fortuna, da Verdade etc. Os modernos
representaram os anjos, os Espíritos puros, numa figura radiosa, com asas
brancas, símbolo da pureza, e Satanás, com chifres, garras e os atributos da
bestialidade, símbolos das paixões. O vulgo, que toma as coisas ao pé da letra,
viu nesses símbolos entidades reais, como outrora tinha visto Saturno na
alegoria do Tempo.
Esta teoria
espírita sobre os demônios vai hoje se impondo aos próprios meios religiosos
que mais acirradamente a combateram. Em “O Diabo”, o escritor italiano Giovanni
Pampini a endossou, apoiado nos Pais da Igreja. O padre Pierre Theilhard de
Chardin, cuja doutrina aproxima a teologia católica da concepção espírita,
considera o Inferno como “polo negativo do mundo”, integrado ao Pleroma (o
mundo divino unido ao corpo místico de Cristo) e assim se refere aos demônios:
O condenado não e excluído do Pleroma, mas apenas da sua face luminosa e de sua
beatitude. Perde-o, mas na está perdido para ele”. (Lê |Millieu Divin – Oeuvres
– Seuil, 1957 – Paris, pág. 191) – N. do T.
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