LIVRO
TERCEIRO
AS
LEIS MORAIS
CAPÍTULO
XI - LEI DE JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE
(Questões 873 à 879)
O sentimento de justiça é de tal modo que vos
revoltais com o pensamento de uma injustiça. O
progresso moral desenvolve sem dúvida esse sentimento, mas não o dá: Deus
o pôs no coração do homem. Eis porque encontrais frequentemente, entre os
homens simples e primitivos, noções mais exatas de justiça do que entre
pessoas de muito saber.
Sendo a justiça uma lei natural, quando os homens a
entendam de maneiras tão diferentes, que um considere justo o que a outro
parece injusto, isso se explica porque em
geral se misturam paixões ao julgamento, alterando esse sentimento, como
acontece com a maioria dos outros sentimentos naturais e fazendo ver as coisas
sob um falso ponto de vista.
A
justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. Os direitos de cada um são
determinados por duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os
homens feito leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas
leis estabeleceram direitos que podem variar com o progresso.
Vede
se as vossas leis de hoje, sem serem perfeitas, consagram os mesmos
direitos que as da Idade Média. Esses direitos superados, que vos
parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. O direito
dos homens, portanto, nem sempre é conforme à justiça. Só regula algumas
relações sociais, enquanto na vida privada há uma infinidade de atos que. São
de competência exclusiva do tribunal da consciência.
Fora do direito consagrado pela lei humana, a base
da justiça fundada sobre a lei natural está nas palavras do Cristo:
“Querer para os outros o que quereis para
vós mesmos”. Deus pôs no coração do homem a regra de toda a verdadeira
justiça, pelo desejo que tem cada um de ver os seus direitos respeitados.
Na incerteza do que deve fazer para o semelhante, em dada circunstância,
que o homem pergunte a si mesmo como desejaria que agissem com ele. Deus
não poderia dar um guia mais seguro que a sua própria consciência.
Comentário de Kardec: O critério da verdadeira justiça é de fato o de se
querer para os outros aquilo que se quer para si mesmo, e não de querer para si
o que se deseja para os outros, o que não é a mesma coisa. Como não é natural
que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo pessoal por norma ou ponto de
partida, podemos estar certos de jamais desejar ao próximo senão o bem. Desde
todos os tempos e em todas as crenças, o homem procurou sempre fazer prevalecer
o seu direito pessoal. O sublime da religião crista foi tomar o
direito pessoal por base do direito do próximo.
A necessidade de viver em sociedade acarreta para o
homem obrigações particulares, e a primeira de todas é a de
respeitar os direitos dos semelhantes; aquele que respeitar esses direitos será
sempre justo.
No
vosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de
represálias e vem daí a perturbação e a confusão da vossa sociedade. A vida social dá direitos e impõe
deveres recíprocos.
O homem pode iludir-se quanto à extensão do seu
direito, porém, o que pode fazer que ele conheça os seus limites são próprios limites do direito que reconhece para o seu semelhante em relação a
ele, na mesma circunstância e de maneira recíproca.
Os
direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor até o
maior. Deus não fez uns de limo mais puro que outros e todos são iguais
perante ele. Esses direitos são eternos; os estabelecidos pelos
homens perecem com as instituições. De resto, cada qual sente bem a sua
força ou a sua fraqueza, e saberá ter sempre uma certa deferência para
aquele que o merecer, por sua virtude e seu saber. E importante assinalar
isto, para que os que se julgam superiores conheçam os seus deveres e
possam merecer essas deferências. A subordinação não estará comprometida,
quando a autoridade for conferida à sabedoria.
O caráter do homem que praticasse a justiça em toda
a sua pureza seria o do verdadeiro, justo, a exemplo de
Jesus; porque praticaria também o amor ao próximo e a caridade, sem os
quais não há a verdadeira justiça.
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