LIVRO
TERCEIRO
AS
LEIS MORAIS
CAPÍTULO
XII - PERFEIÇÃO MORAL
III- Do Egoísmo
(Questões 913 à 917)
Entre os vícios, o que podemos considerar radical, já o dissemos muitas vezes: o egoísmo. Dele se deriva todo o
mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe o
egoísmo.
Por mais
que luteis contra eles, não chegareis a extirpá-los enquanto não
os atacardes pela raiz, enquanto não lhes houverdes destruído a causa.
Que todos
os vossos esforços tendam para esse fim, porque nele se encontra
a verdadeira chaga da sociedade. Quem nesta vida quiser se aproximar
da perfeição moral deve extirpar do seu coração todo sentimento de
egoísmo, porque o egoísmo é incompatível com a justiça, o amor e a
caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.
Estando o egoísmo fundado no interesse pessoal,
parece difícil extirpá-lo inteiramente do coração do homem. À medida que os homens se esclarecem sobre as coisas
espirituais, dão menos valor às coisas materiais; em seguida, é necessário
reformar as instituições humanas, que o entretém e excitam. Isso depende
da educação.
Sendo o egoísmo inerente à espécie humana, é certo que o egoísmo é o vosso mal maior, mas ele se liga
à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra e não à Humanidade em
si mesma.
Ora,
os Espíritos se purificam nas encarnações sucessivas, perdendo o egoísmo
assim como perdem as outras impurezas.
Não
tendes na Terra algum homem destituído de egoísmo e praticante da
caridade? Existem em maior número do que julgais, mas conheceis poucos
porque a virtude não se procura fazer notar. E se há um, por que não
haverá dez? Se há dez, por que não haverá mil e assim por diante?
O egoísmo, longe de diminuir, cresce com a
civilização, que parece excitá-lo e entretê-lo. Quanto
maior é o mal mais horrível se torna. Era necessário que o egoísmo
produzisse muito mal para fazer compreender a necessidade de sua extirpação.
Quando os homens se tiverem despido
do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, não se fazendo o mal e se
ajudando reciprocamente pelo sentimento fraterno
de solidariedade. Então o forte será o apoio e não o opressor do
fraco, e não mais se verão homens desprovidos do necessário, porque todos
praticarão a lei de justiça. Esse é o reino do bem que os Espíritos estão
encarregados de preparar.
De
todas as imperfeições humanas, a mais difícil de desenraizar é o egoísmo,
porque se liga à influência da matéria, da qual o homem, ainda muito
próximo da sua origem, não pôde libertar-se. Tudo concorre
para entreter essa influência: suas leis, sua organização social, sua
educação.
O egoísmo se enfraquecerá com a
predominância da vida moral sobre a vida material, e sobretudo com a
compreensão que o Espiritismo vos dá quanto ao vosso estado
futuro real e não desfigurado pelas ficções alegóricas.
O Espiritismo
bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as
crenças, transformará os hábitos, as usanças e as relações sociais.
O egoísmo
se funda na importância da personalidade; ora, o Espiritismo
bem compreendido, repito-o, faz ver as coisas de tão alto que o sentimento
da personalidade desaparece de alguma forma perante a imensidade. Ao
destruir essa importância, ou pelo menos ao fazer ver a personalidade
naquilo que de fato ela é, combate necessariamente o egoísmo.
E
o contato que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna
geralmente egoísta, porque sente a necessidade de se pôr na
defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não nele, é levado a
se ocupar de si mesmo mais que dos outros.
Que
o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições
sociais, das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e
este pensará menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá,
assim, a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face do atual
desdobramento do egoísmo, é necessária uma verdadeira virtude para abdicar
da própria personalidade em proveito dos outros que em geral não o
reconhecem.
E a esses, sobretudo, que possuem essa
virtude, que está aberto o reino dos céus; a eles sobretudo está
reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que no dia do
juízo quem quer que não tenha pensado senão em si mesmo será posto de lado.
Comentário de Kardec: Louváveis esforços são feitos, sem dúvida, para ajudar a
Humanidade a avançar; encorajam-se, estimulam-se, honram-se os bons
sentimentos, hoje mais do que em qualquer outra época, e, não obstante, o verme
devorador do egoísmo continua a ser a praga social. É um verdadeiro mal que se
espalha por todo o mundo e do qual cada um é mais ou menos vítima. É necessário
combatê-lo, portanto, como se combate uma epidemia. Para isso, deve-se
procederá maneira dos médicos: remontará causa.
Que
se pesquisem em toda a estrutura da organização social desde a família até os
povos, da choupana ao palácio, todas as causas, todas as influências patentes
ou ocultas que excitam, entretêm e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Uma vez
conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo; só restará então
combatê-las, senão a todas ao mesmo tempo, pelo menos por parte, e pouco a
pouco o veneno será extirpado. A cura poderá ser prolongada porque as causas
são numerosas, mas não é impossível.
De resto, não se chegará a esse ponto se não
se atacar o mal pela raiz, ou seja, pela educação. Não essa educação que tende
a fazer homens instruídos, mas a que tende a fazer homem de bem.
A educação, se for bem compreendida, será a
chave do progresso moral, quando se conhecer a arte de manejar os caracteres
como se conhece a de manejar as inteligências, poder-se-á endireitá-los, da
mesma maneira como se endireitam as plantas novas. Essa arte, porém, requer
muito fato, muita experiência e uma profunda observação. É um grave erro
acreditar que basta ter a ciência para aplicá-la de maneira proveitosa.
Quem quer que observe, desde o instante do seu
nascimento, o filho do rico como o do pobre, notando todas as influências
perniciosas que agem sobre ele em consequência da fraqueza, da incúria e da
ignorância dos que o dirigem, e como em geral os meios empregados para o
moralizar fracassam, não pode admirar-se de encontrar no mundo tantas confusões.
Que
se faça pela moral tanto quanto se faz pela inteligência e ver-se-á que, se há
naturezas refratárias, há também, em maior número do que se pensa as que
requerem apenas boa cultura para darem bons frutos.
O
homem quer ser feliz: esse sentimento está na sua própria natureza; eis porque
ele trabalha sem cessar para melhorar a sua situação na Terra, e procura as
causas de seus males para os remediar. Quando compreender bem que o egoísmo é
uma dessas causas, aquela que engendra o orgulho, a ambição, a cupidez, a
inveja, o ódio, o ciúme, dos quais a todo momento ele é vítima, que leva a
perturbação a todas as relações sociais, provoca as dissensões, destrói a
confiança, obrigando-o a se manter constantemente numa atitude de defesa em
face do seu vizinho, e que, enfim, do amigo faz um inimigo, então ele
compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua própria felicidade.
Acrescentaremos que é incompatível com a sua própria segurança. Dessa maneira,
quanto mais sofrer mais sentirá a necessidade de o combater, como combate a
peste, os animais daninhos e todos os outros flagelos. A isso será solicitado
pelo seu próprio interesse.
O
egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as
virtudes. Destruir um e desenvolver a outra deve ser o alvo de todos os
esforços do homem, se ele deseja assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto
quanto no futuro.