O conceito cristão
de Deus
A pele de ovelha e a pele humana.
O conceito fundamental do Cristianismo é o da paternidade universal de Deus. Por isso é que Deus
é único. Os muitos deuses da antiguidade, que dividiam ferozmente os homens, perdem o domínio do
mundo, quando Jesus pronuncia a palavra Pai, Até mesmo Jeová, o deus dos exércitos, deixa o seu lugar
ao Deus de Amor do Cristianismo. Os privilégios e divisionismos não têm mais razão de ser, diante da
parábola do Bom Samaritano e do ensino de Jesus à mulher samaritana.
O Espiritismo, surgindo na Terra em cumprimento à promessa do Consolador, para restabelecer a
pureza do ensino de Jesus, restabelece o conceito cristão de Deus como Pai. Por isso Kardec ensinou,
em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", que o nosso lema deve ser: "Fora da caridade não há
salvação".
A bandeira sectarista das religiões apegadas ao velho exclusivismo é substituída pela
bandeira cristã do "amai-vos uns aos outros".
Kardec chega mesmo a esclarecer que não devemos dizer: "Fora da verdade não há salvação",
porque cada qual interpretando a verdade a seu modo, esse lema serviria para perpetuar na Terra as lutas
religiosas, que são a própria negação da religião.
A caridade, pelo contrário, a todos une e a ninguém
condena, como ensinou o apóstolo Paulo.
Lemos, entretanto, num pequeno e agressivo artigo contra o Espiritismo, esta curiosa afirmação:
"A pele de ovelha do espírita é a caridade. Fazer o bem e praticar a caridade." O articulista entende que
os espíritas fazem a caridade para perder as almas. São instrumentos do demônio, mas usam as armas do
amor. Se ao menos fingissem que fazem a caridade, ainda se compreenderia. Mas não. Em vez de fingir,
praticam mesmo a caridade e fazem o bem. E nisso está o seu terrível disfarce. Tanto mais terrível,
quanto Jesus ensinou que só podemos conhecer a árvore pelos frutos.
A preocupação do articulista transparece logo mais, quando ele acrescenta que os espíritas usam
nomes de santos nos Centros, expõem imagens e fazem orações, para enganar os incautos. Quer dizer que
tudo isso só teria uma finalidade: afastar os filhos de Deus do verdadeiro caminho.
Acontece, porém, que
os espíritas, ao darem nomes de santos a alguns Centros, têm apenas o propósito de homenagear espíritos
elevados, que são conhecidos como santos.
Por exemplo: Santo Agostinho e São Luiz deram comunicações a Kardec, que figuram em "O
Evangelho Segundo o Espiritismo". Por que usaram o título de santo? Porque assim são conhecidos e só
assim podiam identificar-se. E somente por isso.
Não obstante, os organismos dirigentes do movimento
espírita são contrários a essas denominações para Centros, justamente para evitar-se a confusão em
matéria de princípios religiosos.
Quanto ao uso de imagens, é puro engano. Espíritas não usam imagens, como os cristãos primitivos
não usavam. As imagens só aparecem em agrupamentos espiritistas humildes, de gente sem instrução,
apegadas à religião popular que lhe ensinaram na infância. Também no Cristianismo primitivo acontecia
isso. Cristãos novos apegavam-se aos ídolos pagãos, por costume e falta de esclarecimento. Mas, na
proporção em que o Espiritismo for sendo compreendido, essa gente humilde abandonará as imagens.
O
Espiritismo ensina que devemos adorar a Deus em espírito e verdade, segundo a lição de Jesus à mulher
* Esta crônica mereceu um voto de louvor inserto em ata da Câmara dos Vereadores de Araraquara, a
pedido dos então edis Célio Biller Teixeira e Flávio Thomaz de Aquino, que consideraram de "alto valor os
ensinamentos na exposição do Irmão Saulo, pregando acima de tudo a liberdade de culto...".
Agradecendo
aos vereadores, principalmente porque não eram eles espíritas, Herculano disse: "Essa compreensão
humana, que supera os sectarismos exclusivistas do passado, é característica da civilização samaritana".
No tocante à oração, é claro que os espíritas devem fazê-las. Kardec chegou mesmo a publicar um
livro de preces. Como acontecia no Cristianismo primitivo, os espíritas repetem a prece do Pai Nosso,
ensinada por Jesus, e sabem que a oração é o meio de se elevarem a Deus e se comunicarem com os Bons
Espíritos.
Não se trata, pois, de pele de ovelha, mas da própria pele humana. O homem é filho de Deus e deve
dirigir-se a Ele.
Kardec explica o sentimento religioso como lei natural, segundo vemos no capítulo sobre
a "Lei da Adoração", em "O Livro dos Espíritos"
.
O que acontece é que os espíritas aprenderam, no
Evangelho, que devem orar de coração puro, sem nenhuma prevenção contra os seus irmãos. Porque
Deus é Pai e todos são Seus filhos, seja qual for o caminho religioso que estejam seguindo.
Livro: O homem novo
Autor: José Herculano Pires
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