CAPÍTULO XVI
NÃO SE PODE SERVIR A
DEUS E A MAMON
Salvação dos ricos. – Guardar-se da avareza. - Jesus na casa
de Zaqueu. – Parábola do mau rico. – Parábola dos talentos. – Utilidade
providencial da fortuna. – Provas da riqueza e da miséria. – Desigualdade das
riquezas. – Instruções dos Espíritos: A verdadeira propriedade. – Emprego da
fortuna. – Desprendimento dos bens terrenos. – transmissão da fortuna.
UTILIDADE PROVIDENCIAL
DA FORTUNA
PROVAS DA
RIQUEZA E DA MISÉRIA
7 – Se a riqueza tivesse de ser um obstáculo
absoluto à salvação dos que a possuem, como se poderia inferir de certas
expressões de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o
espírito? Deus, que a distribui, teria posto nas mãos de alguns um instrumento
fatal de perdição, o que repugna à razão. A
riqueza é, sem dúvida, uma prova mais arriscada, mais perigosa que a miséria,
em virtude das excitações e das tentações que oferece, da fascinação que
exerce. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o
laço que mais poderosamente liga o homem a Terra e desvia os seus pensamentos
do céu. Produz tamanha vertigem, que vemos quase sempre os que passam da
miséria à fortuna esquecerem-se rapidamente da sua antiga posição, bem como dos
seus companheiros, dos que os ajudaram, tornando-se insensíveis, egoístas e
fúteis. Mas, por tornar o caminho mais
difícil, não se segue que o torne inviável, e não possa vir a ser um meio de
salvação nas mãos do que a sabe utilizar, como certos venenos que restabelecem
a saúde, quando empregados a propósito e com discernimento.
Quando Jesus disse ao moço que interrogava sobre os meios de atingir a vida
eterna: “Desfaze-te de todos os bens, e
segue-me”, não pretendia estabelecer como princípio absoluto que cada um
devia despojar-se do que possui, e que a salvação só se consegue a esse preço,
mas mostrar que o apego aos bens
terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele moço, com efeito, julgava-se
quite com a lei, porque havia observado certos mandamentos, e no entanto
recusava à ideia de abandonar os seus bens; seu desejo de obter a vida eterna
não ia até esse sacrifício.
A proposição que Jesus lhe fazia era uma prova decisiva, para por às claras o
fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um padrão de homem honesto,
segundo o mundo, não prejudicar a ninguém, não maldizer o próximo, não ser
frívolo, nem orgulhoso, honrar ao pai e a mãe. Mas não tinha a verdadeira
caridade, pois a sua virtude não chegava até à abnegação. Eis o que Jesus quis
demonstrar. Era uma aplicação do princípio: Fora da caridade não há salvação.
A consequência daquelas palavras,
tomadas na sua mais rigorosa acepção, seria a abolição da fortuna, como
prejudicial à felicidade futura e como fonte de incontáveis males terrenos; e
isso seria também a condenação do trabalho, que a pode proporcionar. Consequência absurda, que reconduziria o
homem à vida selvagem, e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei
do progresso, que é uma lei de Deus.
Se a riqueza é a fonte de muitos males, se excita tantas más paixões, se
provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos ater-nos, mas o homem que
dela abusa, como abusa de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna
pernicioso o que poderia ser-lhe mais útil, o que é uma consequência do estado de
inferioridade do mundo terreno. Se a riqueza
só tivesse de produzir o mal, Deus não a teria posto na Terra. Cabe ao homem
transformá-la em fonte do bem. Se ela não é uma causa imediata do progresso
moral, é, sem contestação, um poderoso elemento do progresso intelectual.
O homem, com efeito, tem por missão trabalhar pela melhoria material do globo.
Deve desbravá-lo, saneá-lo, dispô-lo para um dia receber toda a população que a
sua extensão comporta. Para alimentar essa população, que cresce sem cessar,
deve aumentar a produção. Se a produção de uma região for insuficiente, precisa
ir buscá-la noutra. Por isso mesmo, as relações de povo a povo tornam-se uma
necessidade, e para facilitá-las é forçoso destruir os obstáculos materiais que
os separam, tornar mais rápidas as comunicações. Para os trabalhos das
gerações, que se realizam através dos séculos, o homem teve de extrair
materiais das próprias entranhas da terra. Procurou na ciência os meios de
executá-los mais rápida e seguramente; mas, para fazê-lo, necessitava de
recursos: a própria necessidade o levou a produzir a riqueza, como o havia
feito descobrir a ciência. A atividade exigida por esses trabalhos lhe aumenta
e desenvolve a inteligência. Essa inteligência, que ele a princípio concentra
na satisfação de suas necessidades materiais, o ajudará mais tarde a
compreender as grandes verdades morais. A
riqueza, portanto, sendo o primeiro meio de execução, sem ela não haveria
grandes trabalhos, nem atividade, nem estímulo, nem pesquisas: com razão, pois,
é considerada elemento de progresso.
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