"Todos os espíritos edificados nas lições sublimes do Senhor se reuniram,
logo após o descobrimento da nova terra, celebrando o acontecimento nos espaços
do Infinito.
Grandes multidões donairosas e aéreas formavam imensos hifens de luz, entre a terra e o céu.
Uma torrente impetuosa de perfumes se elevava da paisagem
verde e florida, em busca do firmamento, de onde voltava à superfície do solo, saturada de energias divinas.
Nos ninhos quentes das árvores, pousavam as
vibrações renovadoras das esperanças santificantes, e, no Além, ouviam-se as
melodias evocadoras da Galileia, ubertosa e agreste antes das lutas arrasadoras das
Cruzadas, que lhe talaram todos os campos, transformando-a num montão de ruínas.
Afigurava-se que a região dos pescadores humildes, que conheceu, bastante
assinalados, os passos do Divino Mestre, se havia transplantado igualmente para o
continente novo, dilatada em seus suaves contornos.
Uma alegria paradisíaca reinava em todas as almas que comemoravam o
advento da Pátria do Evangelho, quando se fez presente, na assembléia augusta, a
figura misericordiosa do Cordeiro.
Complacente sorriso lhe bailava nos lábios angélicos e suas mãos liriais
empunhavam largo estandarte branco, como se um fragmento de sua alma radiosa
estivesse ali dentro, transubstanciado naquela bandeira de luz, que era o mais
encantador dos símbolos de perdão e de concórdia.
Dirigindo-se a um dos seus elevados mensageiros na face do orbe terrestre, em meio do divino silêncio da multidão espiritual, sua voz ressoou com doçura:
— Ismael, manda o meu coração que doravante sejas o zelador dos
patrimônios imortais que constituem a Terra do Cruzeiro.
Recebe-a nos teus braços
de trabalhador devotado da minha seara, como a recebi no coração, obedecendo a
sagradas inspirações do Nosso Pai.
Reúne as incansáveis falanges do Infinito, que
cooperam nos ideais sacrossantos de minha doutrina, e inicia, desde já, a construção
da pátria do meu ensinamento.
Para aí transplantei a árvore da minha misericórdia e
espero que a cultives com a tua abnegação e com o teu sublimado heroísmo.
Ela será
a doce paisagem dilatada do Tiberíades, que os homens aniquilaram na sua
voracidade de carnificina.
Guarda este símbolo da paz e inscreve na sua imaculada
pureza o lema da tua coragem e do teu propósito de bem servir à causa de Deus e, sobretudo, lembra-te sempre de que estarei contigo no cumprimento dos teus
deveres, com os quais abrirás para a humanidade dos séculos futuros um caminho
novo, mediante a sagrada revivescência do Cristianismo.
Ismael recebe o lábaro bendito das mãos compassivas do Senhor, banhado
em lágrimas de reconhecimento, e, como se entrara em ação o impulso secreto da
sua vontade, eis que a nívea bandeira tem agora uma insígnia.
Na sua branca
substância, uma tinta celeste inscrevera o lema imortal: "Deus, Cristo e Caridade".
Todas as almas ali reunidas entoam um hosana melodioso e intraduzível à sabedoria
do Senhor do Universo.
São vibrações gloriosas da espiritualidade, que se elevam
pelos espaços ilimitados, louvando o Artista Inimitável e o Matemático Supremo de
todos os sóis e de todos os mundos.
O emissário de Jesus desce então à Terra, onde estabelecerá a sua oficina.
Os exércitos dos seres redimidos e luminosos lhe seguem a esplêndida trajetória e, como se o chão do Brasil fosse a superfície de um novo Hélicon da imortalidade, a
natureza, macia e cariciosa, toda se enfeita de luzes e sombras, de sinfonias e de
ramagens odoríferas, preparando-se para um banquete de deuses.
Os caminhos agrestes tornam-se sendas de maravilhosa beleza, rasgadas
pelas coortes do invisível. Nessa hora, a frota de Cabral foge das águas verdes e fartas da Baía de
Porto Seguro.
Entretanto, nas fitas extensas da praia choram, desesperadamente, os dois
degredados, dos vinte párias sociais que o Rei D. Manuel I destinara ao exílio.
Os homens do mar se distanciam daqueles sítios, levando amostras da sua
extraordinária riqueza. Em toda a paisagem há um largo ponto de interrogação, enquanto os dois infelizes se lastimam sem consolo e sem esperança.
Os silvícolas
amáveis e fraternos lhes abrem os braços; é dos seus corações rudes e simples que
desabrocham, para a amargura deles, as flores amigas de um brando conforto.
Mas, Afonso Ribeiro, um dos condenados ao penoso desterro, avança numa
piroga desprotegida e desmantelada, sem que os olhos da História lhe anotassem o
gesto de profunda desesperação, a caminho do mar alto.
Ao longe, percebem-se
ainda os derradeiros mastros das caravelas itinerantes.
O infeliz degredado anseia por
morrer. Os últimos gemidos abafados lhe saem da garganta exausta. Seus olhos,
inchados de pranto, contemplam as duas imensidades, a do oceano e a do céu, e, esperando na morte o socorro bondoso, exclama, do íntimo do coração:
— Jesus, tende piedade da minha infinita amargura! Enviai a morte ao meu
espírito desterrado. Sou inocente, Senhor, e padeço a tirania da injustiça dos
homens. Mas, se a traição e a covardia me arrebataram da pátria, afastando dos meus
olhos as paisagens queridas e os afetos mais santos do coração, essas mesmas
calúnias não me separaram da vossa misericórdia!
Nesse instante, porém, o pobre exilado sente que uma alvorada de luz
estranha lhe nasce no âmago da alma atribulada. Uma esperança nova se apossa de
todas as suas fibras emotivas e, como por delicado milagre, a sua jangada rústica
regressa, celeremente, à praia distante.
Em vão as ondas sinistras e poderosas tentam
arrebatá-lo para o oceano largo. Uma força misteriosa o conduz a terra firme, onde o
seu coração encontrará uma família nova.
Ismael havia realizado o seu primeiro feito nas Terras de Vera Cruz. Trazendo um náufrago e inocente para a base da sociedade fraterna do porvir, ele
obedecia a sagradas determinações do Divino Mestre.
Primeiramente, surgiram os
ÍNDIOS, que eram os simples de coração; em segundo lugar, chegavam os SEDENTOS DA JUSTIÇA DIVINA e, mais tarde, viriam os ESCRAVOS, como a expressão dos humildes e
dos aflitos, para a formação da alma coletiva de um povo bem-aventurado por sua
mansidão e fraternidade.
Naqueles dias longínquos de 1500, já se ouviam no Brasil os ecos
acariciadores do Sermão da Montanha."
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