A situação, no Brasil, sob todos os pontos de vista, como a da metrópole
portuguesa, era dolorosa e cruel. A raça aborígine e a raça negra sofriam toda sorte de humilhações e
vexames. Os índios procuravam o Norte, em busca dos seus amigos franceses, que, expulsos do Rio por Mem de Sá, concentravam suas atividades no Maranhão, onde
pretendiam fundar a França Equinocial, preocupando seriamente as autoridades da
colônia. A situação geral era a mais deplorável.
Ismael e seus abnegados
colaboradores sofrem intensamente em seus trabalhos árduos e quase improfícuos, no sentido de organizar o Instituto sagrado da família nas florestas inóspitas, onde os
brancos não dispensavam consideração às leis humanas ou divinas, na condição de
superioridade que se atribuíam.
Aos céus ascendem os aflitivos apelos dos obreiros invisíveis: — Senhor!
— exclama Ismael nas suas preocupações
— Estendei até nós o
manto da vossa infinita misericórdia.
— Enviai-nos o socorro das vossas bênçãos
divinas, para que as nossas vozes sejam ouvidas pelos espíritos que aqui procuram edificar uma pátria nova. Nosso coração se comove ante os quadros deploráveis que
se deparam às nossas vistas. Por toda parte, vêem-se os infortúnios das raças
flageladas e sofredoras.
Uma voz suave e meiga lhe responde do Infinito:
— Ismael, nas tuas obrigações e trabalhos, considera que a dor é a eterna
lapidaria de todos os espíritos e que o Nosso Pai não concede aos filhos fardo
superior às suas forças, nas lutas evolutivas.
Abriga aí, na sagrada extensão dos
territórios do país do Evangelho, todos os infortunados e todos os infelizes.
No meu
coração ecoam as súplicas dolorosas de todos os seres sofredores, que se agrupam
nas regiões inferiores dos espaços próximos da Terra. Agasalha-os no solo bendito
que recebe as irradiações do símbolo estrelado, alimentando-os com o pão
substancioso dos sofrimentos depuradores e das lágrimas que lavam todas as
manchas da alma.
Leva a essas coletividades espirituais, SINCERAMENTE ARREPENDIDOS DO SEU PASSADO OBSCURO E DELITUOSO, a tua bandeira de PAZ e de ESPERANÇA; ensina-lhes a ler os preceitos da minha doutrina, nos códigos dourados do sofrimento.
Ismael sente que luzes compassivas e misericordiosas lhe visitam o coração
e parte com os seus companheiros, em busca dos planos da erraticidade mais
próximos da Terra.
Aí se encontram antigos BATALHADORES DAS CRUZADAS, SENHORES FEUDAIS da Idade Média, PADRES e INQUISIDORES ESPÍRITOS REBELDES E REVOLTADOS, perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências polutas.
O emissário do
Senhor desdobra nessas grutas do sofrimento a sua bandeira de luz, como uma
estrela d'alva, assinalando o fim de profunda noite.
— Irmãos
— exorta ele comovido
—, até ao coração do Divino Mestre
chegaram os vossos apelos de socorro espiritual. Da sua esfera de brandos arrebóis
cristalinos, ordena a sua misericórdia que as vossas lágrimas sejam enxugadas para
sempre.
Um ensejo novo de trabalho se apresenta para a redenção das vossas almas, desviadas nos desfiladeiros do remorso e do crime.
Há uma terra nova, onde Jesus
implantará o seu Evangelho de caridade, de perdão e de amor indefiníveis.
Nos
séculos futuros, essa pátria generosa será a terra da promissão para todos os
infelizes.
Dos seus celeiros inesgotáveis sairá o pão de luz para todas as almas; mas, preciso se faz nos voltemos para o seu solo virgem e exuberante a construir-lhe as
bases com os nossos sacrifícios e devotamentos.
Ali encontrareis, nos carreiros
aspérrimos da dor que depura e santifica, a porta estreita para o céu de que nos fala
Jesus nas suas lições divinas.
Aprendereis, no livro dos padecimentos salvadores, a
gravar na consciência os sagrados parágrafos da virtude e do amor, na epopeia de luz
da solidariedade, na expiação e no sofrimento.
Sabei que todas as aquisições da
filosofia e da ciência terrestres são flores sem perfume, ou luzes sem calor e sem
vida, quando não se tocam das claridades do sentimento.
Aqueles de vós que
desejarem o supremo caminho venham para a nossa oficina de amor, de humildade e
redenção. E aí, nas estradas escuras e tristes da angústia espiritual, viu-se, então, que
falanges imensas, ansiosas e extasiadas, avançavam com fervorosa coragem para as
clareiras abertas naquela mansão de dor e de sombras.
Todos queriam, no seu
testemunho de agradecimento, beijar a bandeira sacrossanta do mensageiro divino. O seu emblema
— Deus, Cristo e Caridade
— Refulgia agora nas penumbras,
iluminando todas as coisas e clarificando todos os caminhos.
As esperanças reunidas, daqueles seres infortunados e sofredores, faziam a vibração de luz que
então aclarava todas as sendas e abria todos os entendimentos para a compreensão
das finalidades, das determinações sublimes do Alto.
Essas ENTIDADES ENVOLVIDAS PELA CIÊNCIA, mas POBRES DE HUMILDADE E DE AMOR, ouviram os apelos de Ismael e vieram construir as bases da terra do Cruzeiro.
Foram
elas que abriram os caminhos da terra virgem, sustentando nos ombros feridos o
peso de todos os trabalhos.
Nesse filão de claridades interiores, buscaram as pérolas
da humildade e do sentimento com que se apresentaram mais tarde a Jesus, no dia, que lhes raiou, de redenção e de glória.
Foi por isso que os negros do Brasil se incorporaram à raça nova, constituindo um dos baluartes da nacionalidade, em todos os tempos. Com as suas
abnegações santificantes e os seus prantos abençoados, fizeram brotar as alvoradas
do trabalho, depois das noites primitivas.
Na Pátria do Evangelho têm eles sido
estadistas, médicos, artistas, poetas e escritores, representando as personalidades
mais eminentes.
Em nenhuma outra parte do planeta alcançaram, ainda, a elevada e
justa posição que lhes compete junto das outras raças do orbe, como acontece no
Brasil, onde vivem nos ambientes da mais pura fraternidade.
É que o Senhor lhes
assinalou o papel na formação da terra do Evangelho e foi por esse motivo que eles
deram, desde o princípio de sua localização no país, os mais extraordinários
exemplos de sacrifício à raça branca.
Todos os grandes sentimentos que nobilitam as
almas humanas eles os demonstraram e foi ainda o coração deles, dedicado ao ideal
da solidariedade humana, que ensinou aos europeus a lição do trabalho e da
obediência, na comuna fraterna dos Palmares, onde não havia nem ricos nem pobres
e onde resistiram com o seu esforço e a sua perseverança, por mais de setenta anos, escrevendo, com a morte pela liberdade, o mais belo poema dos seus martírios nas
terras americanas.
Por toda parte, no país, há um ensinamento caricioso do seu resignado
heroísmo, e foi por essa razão que a terra brasileira soube reconhecer-lhes as
abnegações santificadas, incorporando-os definitivamente à grande família, de cuja
direção muitas vezes participam, sem jamais se esquecer o Brasil de que os seus
maiores filhos se criaram para a grandeza da pátria, no generoso seio africano.