CAPÍTULO XXVII
PEDI E OBTEREIS
Condição da Prece. – Eficácia da
Prece. – Ação da Prece. Transmissão do pensamento. – Preces inteligíveis. – Da
prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores. – Instruções dos Espíritos.
DA PRECE PELOS MORTOS E
PELOS ESPÍRITOS SOFREDORES
“18 – Os Espíritos sofredores reclamam preces, e estas lhe são de
utilidade, pois ao verem que são lembrados, sentem-se menos abandonados e menos
infelizes. Mas a prece tem sobre eles uma ação mais direta: renegue-lhes a
coragem, excita-lhes o desejo de se elevarem, pelo arrependimento e a
reparação, e pode desviá-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode
não somente aliviar, mas abreviar-lhes os sofrimentos. (Ver Céu e Inferno, II ª parte: Exemplos).”
19 – Algumas
pessoas não admitem a prece pelos mortos, porque acreditam que a alma só tem
uma alternativa: ser salva ou condenada às penas eternas. Num e noutro caso,
portanto, a prece seria inútil. Sem discutir o valor dessa crença, admitamos
por um instante a realidade das penas eternas e irremissíveis, e que as nossas
preces sejam impotentes para interrompê-las. Perguntamos se mesmo com essa
hipótese, é lógico, é caridoso, é cristão, recusar a prece pelos réprobos?
Essas preces, por mais importantes que sejam para libertá-los, não serão para
eles uma prova de piedade, que poderá minorar lhes os sofrimentos? Na Terra,
quando um homem é condenado à prisão perpétua, mesmo que não haja nenhuma
esperança de obter-se a graça para ele, é proibido a uma pessoa caridosa auxiliá-lo
a carregar o peso dos grilhões? Quando alguém está atacado de mal incurável,
não havendo portanto nenhuma esperança de cura, deve-se abandoná-lo sem nenhum
alívio? Pensai que entre os réprobos pode estar uma pessoa que vos seja cara:
um amigo talvez um pai, a mãe ou um filho, e só porque, segundo julgais, essa
criatura não pode ser perdoada, poderíeis recusar-lhe um copo d´água para
mitigar a sede, um bálsamo para secar-lhe as feridas? Não faríeis por ela o que
faríeis por um prisioneiro? Não lhe daria uma prova de amor, uma consolação?
Não, isso não seria cristão!
Uma crença que endurece o coração
não pode conciliar-se com a crença num Deus que coloca, como o primeiro de
todos os deveres, o amor do próximo!
Negar a eternidade das penas não implica negar uma penalidade temporária, mesmo
porque, na sua justiça, Deus não pode confundir o mal com o bem. Ora, nesse
caso, negar a eficácia da prece seria negar a eficácia da consolação, dos
estímulos e dos bons conselhos; e isso equivaleria a negar a força que haurimos
da assistência moral dos que nos amam.
20 – Outros se
fundam numa razão mais especiosa: a imutabilidade dos desígnios divinos. Deus,
dizem, eles, não pode modificar as suas decisões a pedido das criaturas, pois
caso contrário nada seria estável no mundo. O homem nada tem, portanto, de
pedir a Deus, cabendo-lhes apenas submeter-se e adorá-lo.
Há nesta ideia uma falsa interpretação da imutabilidade da lei divina, ou
melhor, ignorância da lei, no que concerne à penalidade futura. Essa lei é
revelada pelos Espíritos do Senhor, hoje que o homem já amadureceu para
compreender o que, na lei, é conforme ou contrário aos atributos divinos.
Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, nem os remorsos nem o
arrependimento são considerados a favor do culpado. Para ele, todo o desejo de
melhorar-se é inútil: está condenado a permanecer eternamente no mal. Se foi
condenado, entretanto, por um determinado tempo, a pena cessará no fim do
prazo. Mas quem pode afirmar que ele terá então melhorado os seus sentimentos?
Quem dirá que, a exemplo de muitos condenados da Terra, ao sair da prisão, ele
não será tão mau quanto antes? No primeiro caso, seria manter sob a dor do
castigo um homem que se tornara bom; no segundo, seria agraciar aquele que
continua culpado. A lei de Deus é mais previdente: sempre justa, equitativa e
misericordiosa, não fixa nenhuma duração para a pena, qualquer que seja. Ela se
resume assim:
21 – “O homem
sofre sempre a consequência das suas faltas; não há uma única infração à lei de
Deus, que não tenha a sua punição”.
“A severidade do castigo é proporcional à gravidade da falta”.
“A duração do castigo, para qualquer falta, é
indeterminada, pois fica subordinada ao arrependimento do culpado e ao seu
retorno ao bem; assim, a pena dura tanto quanto a obstinação no
mal; seria perpétua, se a obstinação o fosse; é de curta duração, se o
arrependimento vir logo”.
“Desde que o culpado clame por misericórdia, Deus o ouve e lhe concede a
esperança. Mas o simples remorso não basta: é necessária a reparação da falta.
É por isso que o culpado se vê submetido a novas provas, nas quais ele pode,
sempre pela sua própria vontade, fazer o bem para a reparação do mal
anteriormente praticado”.
“O homem é assim o árbitro constante da sua própria sorte. Ele pode abreviar o
seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça
depende da sua vontade de fazer o bem”.
Essa é a lei; lei imutável
e conforme a bondade e à justiça de Deus.
O Espírito culpado e infeliz, dessa maneira, pode sempre se salvar a si mesmo:
a lei de Deus lhe diz sob quais condições ele pode fazê-lo. O que geralmente
lhe falta é à vontade, a força e a coragem. Se, pelas nossas preces, lhe
inspiramos essa vontade, se o amparamos e encorajamos; se, pelos nossos
conselhos, lhe damos as luzes que lhe faltam, em vez de solicitar a Deus que derrogue a sua lei, tornamo-nos
instrumentos da execução dessa lei de amor e caridade, da qual ele
assim nos permite participar, para darmos nós mesmos uma prova de caridade. (Ver Céu e Inferno, I ª parte, caps. IV, VII
e VIII).
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