LIVRO
QUARTO
ESPERANÇAS
E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO
I- PENAS E GOZOS TERRENOS
VI- Desgosto pela Vida -
Suicídio
(Questão 943 a 949)
O desgosto pela vida que se apodera de
alguns indivíduos sem motivos plausíveis é o efeito da ociosidade, da falta de fé e geralmente da saciedade.
Para aqueles que exercem as suas faculdades com um fim útil e
segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido
e a vida se escoa mais rapidamente; suportam as suas vicissitudes com
tanto mais paciência e resignação quanto mais agem tendo em vista a
felicidade mais sólida e mais durável que os espera.
O homem NÃO tem o direito de dispor da sua própria
vida; somente Deus tem esse direito. O
suicídio voluntário é uma transgressão dessa lei.
O suicídio nem sempre é voluntário, pois o louco que se mata não sabe o que faz.
O suicídio que tem por causa o desgosto da vida são
praticados pelos Insensatos! Por que não trabalhavam? A
existência não lhes teria sido tão pesada!
O suicida que tem por fim escapar às misérias e às
decepções deste mundo são os pobres Espíritos que não tiveram a
coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e
não aos que não têm força nem coragem. As tribulações da vida são provas
ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão
recompensados! Infelizes, ao contrário, os que esperam uma saída nisso
que, na sua impiedade, chamam de sorte ou acaso! A sorte ou acaso, para me
servir de sua linguagem, podem de fato favorecê-los por um instante, mas
somente para lhes fazer sentir mais tarde, e de maneira mais cruel, o
vazio de suas palavras.
Os que levaram o desgraçado a esse ato de desespero
sofrerão as consequências disso também. Oh!
Infelizes deles! Porque
responderão como por um assassínio.
O homem que se vê às voltas com a necessidade e se
deixa morrer de desespero é considerado como suicida, mas os que o causaram ou que o poderiam impedir são mais culpáveis
que ele, a quem a indulgência espera. Não acrediteis, porém, que seja
inteiramente absolvido se lhe faltou a firmeza e a perseverança, e se não
fez uso de toda a sua inteligência para sair das dificuldades.
Infeliz
dele, sobretudo, se o seu desespero é filho do orgulho; quero dizer, se é
um desses homens em que o orgulho paralisa os recursos da inteligência e
que se envergonhariam se tivessem de dever a existência ao trabalho das
próprias mãos, preferindo morrer de fome a descer do que chamam a sua
posição social!
Não
há cem vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em
enfrentar a crítica de um inundo f útil e egoísta, que só tem boa vontade
para aqueles a quem nada falta, e que vos volta as costas quando dele
necessitais? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é uma
coisa estúpida, porque ele não se importará com isso.
O suicida que tem por fim escapar à vergonha de uma
ação má é tão repreensível como o que é levado pelo desespero pois o suicídio não apaga a falta. Pelo contrário, com ele aparecem
duas em lugar de uma. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é
preciso tê-la para sofrer as consequências. Deus é quem julga. E, segundo a
causa, pode, às vezes, diminuir o seu rigor.
O suicídio não é perdoável quando tem por fim
impedir que a vergonha envolva os filhos ou a família, pois aquele que assim age não procede bem, mas acredita que sim, e Deus
levará em conta a sua intenção, porque será uma expiação que a si mesmo se
impôs. Ele atenua a sua falta pela intenção, mas nem por isso deixa de
cometer uma falta. De resto, se abolirdes os abusos da vossa sociedade e
os vossos preconceitos, não tereis mais suicídios.
Comentário de Kardec: Aquele que tira a própria vida para fugir à vergonha de uma
ação má, prova que tem mais em conta a estima dos homens que a de Deus, porque
vai entrar na vida espiritual carregado de suas iniquidades,
tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida. Deus é muitas vezes
menos inexorável que os homens: perdoa o arrependimento sincero e leva em conta
o nosso esforço de reparação; mas o suicídio nada repara.
Aquele que tira a própria vida com a esperança de
chegar mais cedo a uma vida melhor age com loucura!
Que ele faça o bem e estará mais seguro de alcançá-la, porque, daquela forma,
retarda a sua entrada num mundo melhor e ele mesmo pedirá para
vir completar essa vida que interrompeu por uma falsa ideia. Uma
falta, qualquer que ela seja, não abre jamais o santuário dos eleitos.
O sacrifício da vida é às vezes meritório, quando
tem por fim salvar a de outros ou ser útil aos semelhantes. Isso é sublime, de acordo com a intenção, e o sacrifício da vida
não é então um suicídio. Mas Deus se opõe a um sacrifício inútil e não
pode vê-lo com prazer, se estiver manchado pelo orgulho. Um sacrifício não
é meritório senão pelo desinteresse, e aquele que o pratica tem, às vezes,
uma segunda intenção que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
Comentário de Kardec: Todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato
soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de
caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que o homem dá maior valor, aquele
que a ela renuncia pelo bem dos seus semelhantes não comete um atentado: é um
sacrifício que ele realiza. Mas antes de o realizar deve refletir se a sua vida
não poderá ser mais útil que a sua morte.
O homem que perece como vítima do abuso das paixões
que, como o sabe, deve abreviar o seu fim mas às quais não tem mais o poder de
resistir, porque o hábito as transformou em verdadeiras necessidades físicas,
comete um suicídio moral. Não compreendeis que o homem,
neste caso, é duplamente culpado? Há nele falta de coragem e bestialidade, e
além disso o esquecimento de Deus.
É
mais culpado porque teve tempo de raciocinar sobre o seu suicídio. Naquele que
o comete instantaneamente há. Às vezes, uma espécie de desvario que se aproxima
da loucura; o outro será muito mais punido, porque as penas são sempre
proporcionadas à consciência que se tenha das faltas cometidas.
Quando uma pessoa vê à sua frente uma morte
inevitável e terrível, é culpada por abreviar de alguns instantes o seu
sofrimento, por uma morte voluntária, pois sempre
se é culpado de não esperar o termo fixado por Deus. Aliás, haverá certeza
de que ele tenha chegado, malgrado as aparências, e não se pode receber um
socorro inesperado no derradeiro momento?
Concebe-se que, em circunstancias ordinárias, seja o
suicídio repreensível, mas figuramos o caso em que a morte é inevitável e em
que a vida só é abreviada por alguns instantes. É
sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.
Nesse caso, as consequências de tal ação são uma expiação proporcional à gravidade da falta, segundo
as circunstâncias, como sempre.
Uma imprudência que compromete a vida sem
necessidade não é repreensível pois que não
há culpabilidade quando não há a intenção ou a consciência positiva de
fazer o mal.
As mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre
os corpos de seus maridos podem ser consideradas como tendo se suicidado e
sofrem as consequências disso. Elas obedecem a um preconceito e
geralmente o fazem mais pela força do que pela própria vontade. Acreditam
cumprir um dever, o que não é característica do suicídio. Sua escusa está
na falta de formação moral da maioria delas e na sua ignorância. Essas
usanças bárbaras e estúpidas desaparecem com a civilização.
Os que, não podendo suportar a perda de pessoas
queridas, se matam, na esperança de se juntarem a elas, não atingem o seu
objetivo. O resultado para elas é
bastante diverso do que esperam, pois, em vez de se unirem ao objeto de
sua afeição, dele se afastam por mais tempo, porque Deus não pode
recompensar um ato de covardia e o insulto que lhe é lançado com a dúvida
quanto à sua providencia. Eles pagarão esse instante de loucura com
aflições ainda maiores do que aquelas que quiseram abreviar, e não terão
para os compensar a satisfação que esperavam. (Ver item 934 e seguintes.)
As consequências do suicídio sobre o estado do
Espírito são as mais diversas. Não
há penalidades fixadas e em todos os casos elas são sempre relativas às
causas que o produziram. Mas uma consequência a que o suicida não pode
escapar é o desapontamento. De resto, a sorte não é a mesma para
todos, dependendo das circunstâncias. Alguns expiam sua falta
imediatamente, outros numa nova existência, que será pior que aquela cujo
curso interromperam.
Comentário de Kardec: A observação mostra, com efeito, que as consequências do
suicídio não são sempre as mesmas. Há, porém, as que são comuns a todos os
casos de morte violenta, as que decorrem da interrupção brusca da vida. É
primeiro a persistência mais prolongada e mais tenaz do laço que liga o
Espírito e o corpo, porque esse laço está quase sempre em todo o seu vigor no
momento em que foi rompido, enquanto na morte natural se enfraquece
gradualmente e em geral até mesmo se desata antes da extinção completa da vida.
As conseqüências desse estado de coisas são a prolongação da perturbação
espírita, seguida da ilusão que, durante um tempo mais ou menos longo, faz o
Espírito acreditar que ainda se encontra no número dos vivos. (Ver itens 155 e
165.)
A
afinidade que persiste entre o Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas,
uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o Espírito, que, assim,
ressente, malgrado seu, os efeitos da decomposição, experimentando uma sensação
cheia de angústia e horror. Esse estado pode persistir tão longamente quanto
tivesse de durar a vida que foi interrompida. Esse efeito não é geral; mas em
alguns casos o suicida não se livra das consequências de sua falta de coragem
e, cedo ou tarde, expia essa falta, de uma ou de outra maneira. É
assim que certos Espíritos, que haviam sido muito infelizes na Terra, disseram
haver se suicidado na existência precedente e estar voluntariamente submetidos
a novas provas, tentando suportá-las com mais resignação. Em alguns, é uma
espécie de apego à matéria, da qual procuram inutilmente desembaraçar-se para
se dirigirem a mundos melhores, mas cujo acesso lhes é interditado. Na maioria,
é o remorso de haverem feito uma coisa inútil, da qual só provam decepções.
A
religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário à lei
natural. Todas nos dizem, em princípio, que não se tem o direito de abreviar
voluntariamente a vida. Mas por que não se terá esse direito? Por que não se é
livre de pôr um termo aos próprios sofrimentos? Estava reservado ao Espiritismo
demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é apenas uma
falta como infração a uma moral, consideração que pouco importa para certos
indivíduos, mas um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica e até pelo
contrário. Não é pela teoria que ele nos ensina isso, mas pelos próprios fatos
que coloca sob os nossos olhos(1).
(1) 0
argumento espírita contra o suicídio não é apenas moral, como se vê, mas também
biológico, firmando-se no princípio de ligação entre o Espírito e o corpo. A
morte, como fenômeno natural, tem as suas leis, que o Espiritismo revelou
através de rigorosa investigação. O sofrimento do suicida decorre do rompimento
arbitrário dessas leis; é como arrancar à força um fruto verde da
árvore.
— As
estatísticas mostram que a incidência do suicídio é maior nos países e nas
épocas em que a ambição e o materialismo se acentuam, provocando mais abusos e
excitando preconceitos. A falta de organização social justa e de educação para
todos é causa de suicídios e crimes. Ver o final do item 949: “… se abolirdes
os abusos da vossa sociedade e os vossos preconceitos, não tereis mais
suicídios.” (N. do T.)