sexta-feira, 26 de junho de 2015

TEORIA DA ALUCINAÇÃO - de O Livro dos Médiuns, Allan kardec

 TEORIA DA ALUCINAÇÃO
             111. Os que não admitem a existência do mundo incorpóreo e invisível pensam tudo explicar pela palavra alucinação. A definição dessa palavra é conhecida: quer dizer um engano, uma ilusão de quem pensa ter percepções que na realidade não tem (do latim allucinari, errar, formado de ad lucem). Mas os sábios ainda não deram, que o saibamos, a sua razão fisiológica.
            A Óptica e a Fisiologia não tendo mais segredos para eles, ao que parece, como não puderam explicar ainda a natureza  e a origem das imagens que se apresentam ao Espírito em determinadas circunstâncias? Eles querem tudo explicar pelas leis da matéria. Que o façam, mas que dêem, através dessas leis, uma teoria da alucinação. Boa ou má, seria pelo menos uma explicação.
            112. A causa dos sonhos não foi jamais explicada pela Ciência. Ela os atribui a um efeito da imaginação, mas não nos diz o que é a imaginação, nem como ela produz essas imagens tão claras e nítidas que às vezes nos aparecem. Isso é explicar uma coisa desconhecida por outra que não o é menos. Tudo fica na mesma.(11)
 Dizem tratar-se de uma lembrança das preocupações do estado de vigília. Mas, mesmo admitindo esta solução, que nada resolve, restaria saber qual é esse espelho mágico que conserva assim a impressão das coisas. Como explicar sobretudo as visões reais jamais vistas no estado de vigília, e nas quais jamais se pensou? Só o Espiritismo nos pode dar a chave desse estranho fenômeno que passa despercebido por ser muito comum, como todas as maravilhas da Natureza que menosprezamos.
            Os sábios não quiseram ocupar-se com a alucinação, mas quer seja real ou não, trata-se de um fenômeno que a Fisiologia deve poder explicar, sob pena de confessar a sua incompetência. Se um dia um sábio resolver dar, não uma definição, mas, uma explicação fisiológica desse fenômeno, teremos de ver se a teoria resolve todos os casos, se não omite os fatos tão comuns de aparições de pessoas no momento da morte, se esclarece à razão da coincidência da aparição com a morte da pessoa. Se fosse um fato isolado poder-se-ia atribuí-lo ao caso, mas como é bastante freqüente o acaso não o explica. Se aquele que viu a aparição houvesse tido a idéia de que a pessoa estava para morrer, ainda bem. Mas aparição é na maioria das vezes da pessoa de quem menos se pensa: a imaginação, portanto, nada tem com isso.
            Ainda menos se pode explicar pela imaginação o conhecimento das circunstâncias da morte, de que nada se sabia. Os partidários da alucinação dirão que a alma (se é que admitem a alma) tem momentos de superexcitação em que as suas faculdades são exaltadas? Estamos de acordo, mas quando o que ela vê é real, não se trata de ilusão. Se na sua exaltação a alma vê à distância, é que ela se transporta, e se a nossa alma pode se transportar, por que a da outra pessoa não se transportaria para nos ver? Que na sua teoria da alucinação queiram levar em conta esses fatos, não se esquecendo de que uma teoria a que se podem opor fatos que a contrariem é necessariamente falsa ou incompleta. Enquanto esperamos a sua explicação, vamos tentar emitir algumas idéias a respeito.(12)
            113. Os fatos provam que há aparições verdadeiras, que a teoria espírita explica perfeitamente, e que só podem negar os que nada admitem fora do organismo. Mas ao lado dessas visões reais existem alucinações, no sentido que se dá à palavra? Não se pode duvidar. Qual a sua origem? São os Espíritos que nos colocam na pista, pois a explicação nos parece estar inteira nas respostas às seguintes perguntas:
            1. As visões são sempre reais, ou são algumas vezes efeitos da imaginação? Quando vemos em sonho, ou de outra maneira, o Diabo ou outras coisas fantásticas, que portanto não existem não se trata apenas de imaginação?
        —  Sim, algumas vezes, quando a pessoa está chocada por certas leituras ou por estórias de feitiçaria, lembra-se delas e acredita ver o que não existe. Mas já dissemos também que o Espírito, através do seu envoltório semimaterial, pode tomar todas as formas para se manifestar. Um Espírito brincalhão pode aparecer com chifres e garras, se o quiser, para zombar da credulidade, como um Espírito bom pode aparecer de asas e de maneira radiosa.
    – Podem-se considerar como aparições os rostos e outras imagens que muitas vezes se mostram quando cochilamos ou simplesmente quando fechamos os olhos?     
    — Quando os sentidos se entorpecem o Espírito se libera e pode ver, perto ou à distância, o que não podia ver com os olhos. Essas imagens quase sempre são visões, mas podem ser também o efeito de impressões que a vista de certos objetos deixou no cérebro, que conserva os seus traços como conserva os sons. O Espírito liberto vê então no seu próprio cérebro as impressões ali fixadas como numa chapa fotográfica. A variedade e a mistura dessas impressões formam conjuntos bizarros e fugitivos, que se esfumam quase imediatamente, malgrado os esforços que se façam para retê-los. É a uma causa semelhante que se devem atribuir certas aparições fantásticas que nada tem de real e se produzem freqüentemente nas doenças.
    Admite-se que a memória é o resultado das impressões conservadas pelo cérebro. Mas por que estranho fenômeno essas impressões tão variadas e múltiplas não se confundem? Eis um mistério impenetrável, mas não mais estranho que o das ondas sonoras que se cruzam no ar e se conservam distintas. Num cérebro são e bem organizado essas impressões são nítidas e precisas; num estado menos favorável se diluem e se confundem; daí a perda de memória ou a confusão de idéias. Isso parece menos estranho quando se admite, como na frenologia, uma destinação especial para cada parte e mesmo para cada fibra do cérebro.
        As imagens transmitidas ao cérebro pelos olhos deixam ali a sua impressão, que permite lembrar-se de um quadro como se ele estivesse presente, embora se trate de uma questão de memória, pois nada se vê. Ora, num estado de emancipação a alma pode ver o cérebro e nele reencontra essas imagens, sobretudo as que mais a tocaram, segundo a natureza das suas preocupações ou disposições íntimas. É assim que reencontra a impressão das cenas religiosas, diabólicas, dramáticas, mundanas, das figuras de animais bizarros que viu outrora em pintura ou ouviu em narrações, porque estas deixam também as suas impressões. Assim, a alma vê realmente, mas apenas uma imagem fotográfica no cérebro.
        No estado normal essas imagens são fugitivas, efêmeras, porque todas as sessões cerebrais funcionam livremente. Mas na doença o cérebro se enfraquece, desaparece o equilíbrio geral dos órgãos cerebrais, somente alguns se mantêm ativos enquanto outros de certa maneira são paralisados. Decorre disso permanência de certas imagens que não se esvaem, como no estado normal, com as preocupações da vida exterior. Essa a verdadeira alucinação e a causa primária das idéias fixas.
            Como se vê, explicamos essa anomalia por uma lei fisiológica muito conhecida, que é a das impressões cerebrais. Mas foi sempre necessário fazer intervir a alma. Ora se os materialistas ainda não puderam dar uma solução satisfatória desse fenômeno é por não quererem admitir a alma. Por isso dirão que a nossa explicação é má, pois nos apoiamos num princípio que é contestado. Mas contestado por quem? Por eles, e admitido pela imensa maioria, desde que há homens na Terra. A negação de algumas não pode constituir-se em lei.
            Nossa explicação é boa? Damo-la pelo que possa valer na falta de outra, e, se quiserem, a título de simples hipótese, à espera de melhor. Como está, pode explicar todos os casos de visões? Certamente não mas desafiamos todos os fisiologistas a apresentarem um que, segundo as suas opiniões exclusivas, expliquem todos. Porque nada apresentam quando pronunciam as palavras sacramentais de superexcitação e exaltação. Pois se todas as teorias sobre a alucinação são insuficientes para explicar todos os fatos, é que há no caso algo mais do que a alucinação propriamente dita. Nossa teoria seria falsa se a aplicássemos a todos os casos de visões, pois alguns poderiam contradizê-la. Pode ser justa, se aplicada a apenas alguns efeitos.(13)


(1) O respeito às leis naturais é um dos princípios espíritas. A mediunidade, como todas as faculdades humanas, deve desenvolver-se normalmente, nunca de maneira forçada. (N. do T.)

(2) O perispírito só aparece integral nas visões, compreendendo-se o termo visõescomo manifestações visuais do Espírito em corpo inteiro. Nas outras formas de manifestações ele apenas projeta as imagens que deseja, como nesse caso das chamas. (N. do T.)

(3) Servius Tullius, sexto rei de Roma (578-534 a.C.) nasceu escravo de Tarquínio Prisco, que o fez educar, e sucedeu a ele no trono por decisão popular. Ampliou Roma, aumentou suas muralhas, estruturou as classes e realizou grandes obras. Era um predestinado. (N. do T.)
(4)  Essa afirmação não contraria o princípio espírita da evolução. Pelo contrário, o endossa, mostrando apenas que o Espírito (a palavra escrita assim, com “E” maiúsculo, representa o ser espiritual do homem) não pode encarnar no reino animal. Ver Metempsicose, nº 611 a 613 de O Livro dos Espíritos.(N. do T.)
(5) Kardec se refere à arte vulgar de interpretação dos sonhos e não aos processos psicológicos hoje empregados na terapêutica. Quanto a esses processos, referem-se apenas a um aspecto dos sonhos, realmente significativo do ponto de vista psicológico, mas muitas vezes mal interpretado, por falta de visão de conjunto e que escolas como a de Karl Jung já procuram atingir. (N. do T.)

(6) Entre outros, o Dr. Home. (A esta nota de Kardec devemos acrescentar os fatos atuais constantes de experiências e observações parapsicológicas. Ver, entre outros. Canais Ocultos da Mente de Louisa Rhine). (N. do T.)

(7) Entre esses motivos figuram as condições da prova por que passam a pessoa ou o Espírito, os inconvenientes emocionais para a pessoa, as complicações familiais que poderia resultar e assim por diante. (N. do T.)

(8) As pesquisas parapsicológicas da atualidade confirmam plenamente essa explicação. A escola do Rhine sustenta a inexistência de barreiras físicas para a transmissão do pensamento e a percepção à distância e a escola russa tentou em vão provar o contrário. (N. do T.)

(9) Moscas amauróticas são pontos negros que aparecem na visão por motivo de atrofia do nervo óptico, produzindo cegueira parcial ou total sem prejuízo do globo ocular. Amaurose ou gota-serena. (N. do T.)
(10) A posição de Kardec é inegavelmente científica. Essa teoria do perispírito não foi desmentida nestes cem anos. Pelo contrário, as hipóteses psicológicas atuais confirmam essa teoria no campo da Parapsicologia. Vejam-se as hipóteses de Carington sobre as estruturas de sensas e psicons, as de Soal, Broad, Tishner e outros. (N. do T.)   

(11) As explicações atuais ainda são incompletas. Somente com as pesquisas parapsicológicas a Ciência começou a avançar, recentemente, no rumo certo que o Espiritismo indicou há mais de um século: às razões psicofisiológicas é necessário acrescentar as espirituais. (N. do T.)

(12) Kardec já mostrava, há cem anos, a insuficiência das hipóteses do inconsciente excitado com que ainda hoje alguns adversários, travestidos de parapsicólogos, tentam explicar fenômenos tipicamente espirituais. Veja-se a precisão da frase: a alma tem momentos de superexcitação em que as suas faculdades são exaltadas. Os teóricos atuais, ainda confirmando a previsão de Kardec, referem-se à mente, procurando excluir a alma dos fenômenos para não dar margens às interpretações espíritas. Mas a verdade é que as teorias deste livro estão sendo confirmadas dia a dia nas pesquisas parapsicológicas, queiram ou não queiram os contraditores. (N. do T.)

(13) As teorias atuais da alucinação referem-se em geral a alterações do sistema nervoso, com excitação dos neurônios sensoriais, especialmente os da visão e da audição. Insiste-se na explicação fisiológica de todos os casos. Mas a recente aceitação científica dos fenômenos paranormais abriu perspectivas nesse campo. Os casos referidos por Kardec são aceitos como de natureza extrafísica por toda a escola psicológica de Rhine e mesmo as escolas fisiológicas admitem a veracidade das percepções à distância, da transmissão do pensamento, das previsões e da retrocognição ou visão do passado. Pratt e outros, nos Estados Unidos, pesquisam com o nome de fenômenos theta os casos de comunicação espírita. A alma, como afirma Kardec, mostra-se novamente indispensável à formulação de uma teoria satisfatória da alucinação. (N. do T.)

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