A Psicologia e a Fé Espírita no combate às drogas
Segundo as últimas pesquisas recentes do Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) a estimativa de dependentes de álcool no Brasil é
de 11,2%, o que num país de mais de 170 milhões de habitantes equivale há uma
população aproximada de 19.040.000 (ou seja, mais de dezenove milhões de pessoas).
Como, porém, cada dependente de álcool individualmente, costuma afetar a vida de
outras pessoas, geralmente do círculo familiar, a quantidade de pessoas que são
“indiretamente” comprometidas pelo problema do abuso e da dependência dessa droga é
de 3 a 4 vezes o número total citado (ou seja, entre 50 e 80 milhões de pessoas,
aproximadamente).
A dependência de tabaco (cigarro) alcança o índice de 9,0%. Por
sua vez, os resultados sobre drogas ilícitas apontam que 6,9% da população
provavelmente já fez algum uso na vida de maconha, e 5,8% de solventes.
O álcool é a droga que causa maiores danos sociais à população, segundo os
dados observados. A maior parte dos acidentes de trânsito, brigas familiares, e até casos
de assassinatos estão relacionados ao uso de bebidas alcoólicas, mas esse fato não é
divulgado pela maior parte da mídia alienante. O fácil acesso às bebidas alcoólicas, e o
fato de ela ser uma droga lícita e aceita pela sociedade são certamente fatores
facilitadores para a emergência desse quadro.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (O.M.S.), saúde implica na máxima
condição possível de equilíbrio e bem-estar bio-psico-social.
A chamada “Síndrome de
dependência alcoólica” é considerada uma doença na medida em que o alcoolista se
ressente do ponto de vista orgânico, pessoal e social e apesar disso, persiste no
alcoolismo, caracterizando uma situação de dependência tão intensa, que passa a poder
ser considerada patológica.
Segundo a psicóloga e psicofarmacologista Jandira Masur,
"o alcoolismo é uma doença na medida em que implica uma situação de dependência
tão intensa que leva a visível prejuízo físico e/ou das relações interpessoais".
A doença,
portanto, é o uso abusivo e a dependência do álcool, ou mais especificamente, é a perda
de controle no uso dessa droga (Masur, 1984, p. 33).
Muitas pessoas, erroneamente, não consideram o álcool ou o tabaco (cigarro)
como sendo uma droga. É um grande engano! É considerado droga psicotrópica
qualquer substância com a capacidade de agir e modificar significativamente o padrão
de funcionamento dos neurotransmissores do cérebro, que são as substâncias
responsáveis pela comunicação e transmissão de informação ao longo do nosso sistema
cerebral. O álcool, por exemplo, é uma substância que pode provocar relaxamento e
descontração num primeiro momento de experimentação, mas o seu uso continuado
provoca depressão, pois o álcool é em si mesmo, classificado como uma droga
depressora do sistema nervoso central.
Quanto à maconha, alguns setores da mídia tentam divulgar de maneira
irresponsável que essa droga não produz dependência. Algumas pessoas, por sua vez,
acreditam que a maconha pode provocar dependência psíquica, mas não dependência
física.
Aqui, entramos, novamente num terreno de grande desinformação. Assim, o que
muitas pessoas não sabem é que a maconha é classificada como uma droga
perturbadora, que causa confusão mental e alucinações. Além disso, a maconha que é produzida atualmente tem sido modificada industrialmente tornando-se mais potente, e
causando tanto a dependência psíquica quanto a física, como atestam os números
crescentes de pessoas dependentes de maconha nos consultórios, clínicas e instituições
especializadas no tratamento de alcoolismo e outras drogas.
A ação da cocaína, e principalmente, do crack são fulminantes.
Dificilmente um
indivíduo conseguiria fazer uso dessas substâncias sem se tornar dependente. Enquanto
o álcool é considerado uma droga depressora e a maconha uma droga perturbadora ou
confusional, o crack e a cocaína são drogas agitadoras ou excitadoras. Ou seja,
provocam uma intensa atividade mental, e danos cerebrais graves.
Segundo conclusões do CEBRID, e das principais instituições que pesquisam a
problemática do uso indevido de drogas, como a Universidade Federal de Medicina de
São Paulo (UNIFESP), a Escola Paulista de Medicina, e o Grupo de Estudos
Interdisciplinares em Álcool e Drogas da USP (GREA-USP), diante dos fatos expostos
de maneira sumária, tal questão surge como um problema de ordem internacional,
envolvendo todo o planeta. Assim, tal situação afeta homens e mulheres de todos os
grupos éticos, pobres e ricos, jovens, adultos e idosos, pessoas com ou sem instrução, e
até bebês recém-nascidos que herdam doenças e/ou dependência química de suas mães
toxicômanas.
Surge então as seguintes questões: (1º) como entender a problemática do uso
patológico das drogas psicotrópicas, e (2º) o que fazer frente a essa situação quando se
possui um amigo ou um familiar dependente de algum tipo de droga?
Vejamos a
dimensão psíquica e espiritual dessas questões.
No âmbito psicológico, o principal fenômeno a ser analisado é a questão da
dependência em si mesma. Para tanto, precisamos compreender o funcionamento da
alma humana.
O nosso psiquismo é formado por duas instâncias: uma consciente, e
outra inconsciente (ou seja, formada por aquilo que desconhecemos em nós mesmos).
Segundo o psicólogo suíço C. G. Jung, o inconsciente (que é o desconhecido em nós
mesmos) é muito maior que o consciente (ou aquilo que conhecemos em nós próprios).
Segundo a sua linha de raciocínio, metaforicamente, se o consciente fosse uma ilha, o
inconsciente seria todo o restante dos oceanos, o que significa que, desconhecemos mais
de 90% de nós mesmos.
Por outro lado, os estudos clínicos contemporâneos em Psicanálise (Kalina,
2000), mostram que em nosso psiquismo inconsciente possuímos núcleos criativos,
organizados e amadurecidos, que vivem lado a lado, com núcleos psíquicos com
conteúdos destrutivos, desorganizantes e infantilizados. Aos primeiros chamamos de
pulsões de vida e aos segundos de pulsões de morte. Os termos "vida" e "morte", são
aqui, apenas comparações simbólicas no plano da organização psíquica, segundo a
psicanálise.
Qualquer psicólogo com esse conhecimento sabe que indivíduos que
bebem, fumam e/ou utilizam outros tipos de drogas (maconha, cocaína, crack, heroína,
LSD, ecstasy, etc) invariavelmente estão com suas pulsões auto-destrutivas (ou pulsões
de morte) ativadas.
O pior é que como esse mecanismo envolve instâncias
inconscientes, o indivíduo não tem percepção ou consciência desse fato, inclusive
negando-o. Tanto, que a maioria dos dependentes de álcool e outras drogas não se
reconhecem como dependentes, o que dificulta muito o seu tratamento.
Mas, sem o
perceber, tais indivíduos criam uma dependência psíquica dessas drogas, o que na
verdade reflete uma dependência psicológica de seus núcleos auto-destrutivos, não
identificados conscientemente.
Como esse tipo de pulsão de morte se desenvolve? O mecanismo é paradoxal, e
engloba a crítica Espírita da ideologia materialista que predomina na nossa sociedade.
Frente a seus conflitos, angústias e problemas, o ser humano tem duas opções: ou lida
com eles de forma amadurecida, buscando soluções criativas e transformadoras (esse éo caminho do autoconhecimento, da reforma íntima, e da pulsão de vida), ou opta pela
fuga dos problemas, a sua negação, a busca compulsiva de prazeres ou a sua alienação,
num caminho (ou "falsa tentativa de solução") que contraditoriamente apenas amplia a
magnitude de seus problemas e angústias.
Esse último é o caminho da pulsão de morte,
que muitas vezes, acaba sendo a porta de entrada para a ação do álcool e das drogas.
Do
ponto de vista simbólico, a "morte" é entendida, nesse último caminho específico, como
uma situação de finalização de problemas e angústias (é essa "fantasia psíquica", por
exemplo, que motiva o suicida). Resulta daí, um "ideário psicótico" - nas palavras do
psicanalista Eduardo KKalina - amplamente procurado, que é o de "provocar a morte
para viver em paz" (Kalina, 2000). Em outras palavras, o dependente de álcool e drogas
é alguém que tenta provocar a própria “morte” para não sentir angústia, pois a morte
dentro dessa linha de raciocínio é vista como a única situação em que a pessoa deixaria
de sofrer.
O indivíduo tenta se dopar para não sofrer, mas apenas se ilude, pois com o
uso das drogas, acaba ampliando ainda mais os seus problemas. Esse ideário estaria
presente mesmo entre os que se dizem "beber socialmente", representando uma
paradoxal ideologia coletiva aceita como "normal", porém não-refletida de maneira
consciente, e sutilmente difundida no tecido sócio-cultural.
No caso do dependente químico, há o agravante de que a personalidade não se
encontra suficientemente bem estruturada e fortalecida para lidar de forma construtiva e
eficaz com a realidade, e daí o desejo de se fugir dessa realidade através das drogas.
Para compreendermos o mecanismo como isso se processa, temos que levar em
conta diversos fatores psicossociais que atuam num mundo de provas e expiações como
o nosso. Sabe-se que o indivíduo internaliza em seu psiquismo representações do
imaginário social.
Sendo a nossa sociedade extremamente materialista, individualista e
competitiva, temos a internalização desse modelo de sociedade narcisista na
personalidade, principalmente por parte daqueles que possuem sintonia mental para
tanto.
Acontece que num mundo de provas e expiações, como a Terra, o número de
pessoas com tal padrão mental vibratório predispostas a internalizarem esse modelo
social não é pequeno.
Esse processo se incrementa de várias maneiras: através (1) do
processo de "idiotização" presente na mídia pós-moderna, (2) da organização familiar,
(3) da alienação do sistema escolar de base, e (4) da ação de outras instituições
compromissadas com a ideologia de consumo predominante, especialmente no
capitalismo neoliberal atual. Todos esses fatores se tornam veículos para a introjeção
(ou internalização) do modelo narcisista de organização social na psique, em função da
maior ou menor "abertura psíquica" e do grau evolutivo do espírito encarnado (ou seja,
de cada indivíduo).
Por fim, o próprio indivíduo que internaliza esses modelos, torna-se
ele próprio, um reprodutor desses, num ciclo vicioso que envolve o individual e o
coletivo, na produção de mais ideologia consumidora e auto-destrutiva.
A
dessensibilização resultante, faz com que as pessoas lidem com esse campo de situação,
como se fosse "algo normal", mas o que se acaba gerando em termos coletivos é uma
sociedade pobre de valores éticos e significados simbólicos.
Com a ausência de valores mais profundos, muitos acabam recorrendo às drogas
para preencherem o “vazio” que uma sociedade empobrecida de significados e objetivos
acabam criando.
Assim, o uso abusivo e patológico das drogas paradoxalmente é um
sinalizador social da necessidade de cada indivíduo reencontrar seus valores pessoais
mais profundos, mas que foram perdidos por uma educação pouco ou nada acolhedora
quanto a essa dimensão existencial da vida, tanto na família quanto na sociedade.
Acontece que a re-ligação com os valores existenciais mais profundos da vida
muitas vezes, e podemos dizer que talvez, sempre, perpassem pela questão da re-ligação
com algo que o indivíduo sinta como maior que ele próprio, ou seja, com a sua
religiosidade.
O seu religar-se com Deus, pode ser a demanda reprimida que se encontra
por trás do uso indevido das drogas. Isso é acessível para os profissionais de saúde
sintonizados com a dimensão espiritual da realidade, e como tal essa é exatamente aporta de entrada que pode oferecer uma nova e promissora opção de tratamento e apoio
para lidar com tal problemática.
Assim, tenho observado em minha experiência no tratamento de pacientes
dependentes de álcool e outras drogas, que a coligação de tratamento médico,
psicológico e orientação espiritual, compõem uma trilogia promissora de tratamento e
recuperação para esse tipo de quadro clínico.
Muitas vezes, o tratamento precisa ser
complementado por um trabalho de orientação familiar (na Itália, por exemplo, o
tratamento familiar não é apenas uma complementação, mas sim uma condição quase
obrigatória de trabalho), e também algum tipo de trabalho de grupo, como a psicoterapia
de grupo, ou os grupos de auto-ajuda existentes entre os alcoólicos e os narcóticos
anônimos.
A idéia de agregar a orientação ou tratameto espiritual, ao tratamento médico e
psicológico começa a despontar em algumas instituições. No IFL (Instituto Fraternal de
Laborterapia) localizado próxima à Federação Espírita de São Paulo, é realizado um
trabalho social e voluntário para pacientes dependentes de álcool.
Graças a uma parceria
realizada com a ABRAPE (Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas) atualmente é
oferecido um serviço de psicoterapia breve especializado em dependência de álcool, que
coliga o tratamento psicológico com a consideração da dimensão espiritual, num
trabalho inovador que está prestes a fazer um ano, e que já está beneficiando a
população carente próxima ao centro de São Paulo.
Até na prefeitura de São Paulo existe um trabalho semelhante realizado numa
região periférica bastante carente, da zona leste, nas proximidades dos bairros de São
Miguel e Itaim Paulista.
No Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) especializado em
álcool e drogas localizado no bairro do Jardim Nélia, o tratamento psicológico também
é realizado levado-se em conta uma abertura para a reflexão da dimensão existencial e
espiritual do paciente acolhido pelo serviço. O fundamento científico – segundo
pesquisas realizadas na USP e na UNIFESP – é a constatação de que a religiosidade é
um importante fator de proteção contra o uso de álcool e outras drogas.
Para a
população carente local, esse fator de inclusão social e ético-existencial tem feito uma
grande diferença tanto na luta contra a dependência química, como na briga árdua pela
sobrevivência material.
Como contribuição final, deixo as referências de contato, para quem desejar
acessar esses serviços. Nesses espaços de trabalho, eu próprio também atuo como
psicólogo clínico junto como equipes de outros psicólogos e diversos profissionais,
oferecendo serviços gratuitos à população necessitada:
1) IFL – trabalho voluntário, filantrópico e social (exclusivamente) para
dependentes de álcool.
Rua Santo Amaro, 244 – São Paulo - Centro
Tel.: (011) 3104-6707
2) CAPS Jd. Nélia – Álcool e também outras drogas
Rua Itajuíbe, 1912 – Jd. Nélia – Itaim Paulista
Tel.: 6563-1413
3) ABRAPE – Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas
Rua Teodoro Sampaio, nº 417 – cj. 82 – 8º andar – São Paulo
Tel.: 3898-2135 ou 3898-2139
Colaborador: Adalberto Ricardo Pessoa
Psicólogo formado pela
USP.
Pós-Graduado em pesquisas em psicossomática e terapia corporal pela USP.
Membro da Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas
Psicólogo concursado pela prefeitura de São Paulo