quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

VI- Desgosto pela Vida - Suicídio - O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
VI- Desgosto pela Vida - Suicídio
(Questão 943 a 949)
O desgosto pela vida que se apodera de alguns indivíduos sem motivos plausíveis é o efeito da ociosidade, da falta de fé e geralmente da saciedade. Para aqueles que exercem as suas faculdades com um fim útil e segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente; suportam as suas vicissitudes com tanto mais paciência e resignação quanto mais agem tendo em vista a felicidade mais sólida e mais durável que os espera.

O homem NÃO tem o direito de dispor da sua própria vida; somente Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão dessa lei.

O suicídio nem sempre é voluntário, pois o louco que se mata não sabe o que faz.

O suicídio que tem por causa o desgosto da vida são praticados pelos Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada!

O suicida que tem por fim escapar às misérias e às decepções deste mundo são os pobres Espíritos que não tiveram a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que não têm força nem coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Infelizes, ao contrário, os que esperam uma saída nisso que, na sua impiedade, chamam de sorte ou acaso! A sorte ou acaso, para me servir de sua linguagem, podem de fato favorecê-los por um instante, mas somente para lhes fazer sentir mais tarde, e de maneira mais cruel, o vazio de suas palavras.
Os que levaram o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as consequências disso também. Oh! Infelizes deles! Porque responderão como por um assassínio.
O homem que se vê às voltas com a necessidade e se deixa morrer de desespero é considerado como suicida, mas os que o causaram ou que o poderiam impedir são mais culpáveis que ele, a quem a indulgência espera. Não acrediteis, porém, que seja inteiramente absolvido se lhe faltou a firmeza e a perseverança, e se não fez uso de toda a sua inteligência para sair das dificuldades.

Infeliz dele, sobretudo, se o seu desespero é filho do orgulho; quero dizer, se é um desses homens em que o orgulho paralisa os recursos da inteligência e que se envergonhariam se tivessem de dever a existência ao trabalho das próprias mãos, preferindo morrer de fome a descer do que chamam a sua posição social!

Não há cem vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em enfrentar a crítica de um inundo f útil e egoísta, que só tem boa vontade para aqueles a quem nada falta, e que vos volta as costas quando dele necessitais? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é uma coisa estúpida, porque ele não se importará com isso.

O suicida que tem por fim escapar à vergonha de uma ação má é tão repreensível como o que é levado pelo desespero pois o suicídio não apaga a falta. Pelo contrário, com ele aparecem duas em lugar de uma. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso tê-la para sofrer as consequências. Deus é quem julga. E, segundo a causa, pode, às vezes, diminuir o seu rigor.       
              
O suicídio não é perdoável quando tem por fim impedir que a vergonha envolva os filhos ou a família, pois aquele que assim age não procede bem, mas acredita que sim, e Deus levará em conta a sua intenção, porque será uma expiação que a si mesmo se impôs. Ele atenua a sua falta pela intenção, mas nem por isso deixa de cometer uma falta. De resto, se abolirdes os abusos da vossa sociedade e os vossos preconceitos, não tereis mais suicídios.

Comentário de Kardec: Aquele que tira a própria vida para fugir à vergonha de uma ação má, prova que tem mais em conta a estima dos homens que a de Deus, porque vai entrar na  vida espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida. Deus é muitas vezes menos inexorável que os homens: perdoa o arrependimento sincero e leva em conta o nosso esforço de reparação; mas o suicídio nada repara.
Aquele que tira a própria vida com a esperança de chegar mais cedo a uma vida melhor age com loucura! Que ele faça o bem e estará mais seguro de alcançá-la, porque, daquela forma, retarda a sua entrada num mundo melhor e ele mesmo pedirá para vir completar essa vida que interrompeu por uma falsa ideia. Uma falta, qualquer que ela seja, não abre jamais o santuário dos eleitos.

O sacrifício da vida é às vezes meritório, quando tem por fim salvar a de outros ou ser útil aos semelhantes. Isso é sublime, de acordo com a intenção, e o sacrifício da vida não é então um suicídio. Mas Deus se opõe a um sacrifício inútil e não pode vê-lo com prazer, se estiver manchado pelo orgulho. Um sacrifício não é meritório senão pelo desinteresse, e aquele que o pratica tem, às vezes, uma segunda intenção que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.

Comentário de Kardec: Todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que o homem dá maior valor, aquele que a ela renuncia pelo bem dos seus semelhantes não comete um atentado: é um sacrifício que ele realiza. Mas antes de o realizar deve refletir se a sua vida não poderá ser mais útil que a sua morte.

O homem que perece como vítima do abuso das paixões que, como o sabe, deve abreviar o seu fim mas às quais não tem mais o poder de resistir, porque o hábito as transformou em verdadeiras necessidades físicas, comete um suicídio moral. Não compreendeis que o homem, neste caso, é duplamente culpado? Há nele falta de coragem e bestialidade, e além disso o esquecimento de Deus.

É mais culpado porque teve tempo de raciocinar sobre o seu suicídio. Naquele que o comete instantaneamente há. Às vezes, uma espécie de desvario que se aproxima da loucura; o outro será muito mais punido, porque as penas são sempre proporcionadas à consciência que se tenha das faltas cometidas.

Quando uma pessoa vê à sua frente uma morte inevitável e terrível, é culpada por abreviar de alguns instantes o seu sofrimento, por uma morte voluntária, pois sempre se é culpado de não esperar o termo fixado por Deus. Aliás, haverá certeza de que ele tenha chegado, malgrado as aparências, e não se pode receber um socorro inesperado no derradeiro momento?

Concebe-se que, em circunstancias ordinárias, seja o suicídio repreensível, mas figuramos o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é abreviada por alguns instantes. É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.

Nesse caso, as consequências de tal ação são uma expiação proporcional à gravidade da falta, segundo as circunstâncias, como sempre.

Uma imprudência que compromete a vida sem necessidade não é repreensível pois que não há culpabilidade quando não há a intenção ou a consciência positiva de fazer o mal.

As mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos de seus maridos podem ser consideradas como tendo se suicidado e sofrem as consequências disso. Elas obedecem a um preconceito e geralmente o fazem mais pela força do que pela própria vontade. Acreditam cumprir um dever, o que não é característica do suicídio. Sua escusa está na falta de formação moral da maioria delas e na sua ignorância. Essas usanças bárbaras e estúpidas desaparecem com a civilização.

Os que, não podendo suportar a perda de pessoas queridas, se matam, na esperança de se juntarem a elas, não atingem o seu objetivo. O resultado para elas é bastante diverso do que esperam, pois, em vez de se unirem ao objeto de sua afeição, dele se afastam por mais tempo, porque Deus não pode recompensar um ato de covardia e o insulto que lhe é lançado com a dúvida quanto à sua providencia. Eles pagarão esse instante de loucura com aflições ainda maiores do que aquelas que quiseram abreviar, e não terão para os compensar a satisfação que esperavam. (Ver item 934 e seguintes.)
      
As consequências do suicídio sobre o estado do Espírito são as mais diversas. Não há penalidades fixadas e em todos os casos elas são sempre relativas às causas que o produziram. Mas uma consequência a que o suicida não pode escapar é o desapontamento. De resto, a sorte não é a mesma para todos, dependendo das circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente, outros numa nova existência, que será pior que aquela cujo curso interromperam.
Comentário de Kardec: A observação mostra, com efeito, que as consequências do suicídio não são sempre as mesmas. Há, porém, as que são comuns a todos os casos de morte violenta, as que decorrem da interrupção brusca da vida. É primeiro a persistência mais prolongada e mais tenaz do laço que liga o Espírito e o corpo, porque esse laço está quase sempre em todo o seu vigor no momento em que foi rompido, enquanto na morte natural se enfraquece gradualmente e em geral até mesmo se desata antes da extinção completa da vida. As conseqüências desse estado de coisas são a prolongação da perturbação espírita, seguida da ilusão que, durante um tempo mais ou menos longo, faz o Espírito acreditar que ainda se encontra no número dos vivos. (Ver itens 155 e 165.)
      A afinidade que persiste entre o Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o Espírito, que, assim, ressente, malgrado seu, os efeitos da decomposição, experimentando uma sensação cheia de angústia e horror. Esse estado pode persistir tão longamente quanto tivesse de durar a vida que foi interrompida. Esse efeito não é geral; mas em alguns casos o suicida não se livra das consequências de sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia essa falta, de uma ou de outra maneira.  É assim que certos Espíritos, que haviam sido muito infelizes na Terra, disseram haver se suicidado na existência precedente e estar voluntariamente submetidos a novas provas, tentando suportá-las com mais resignação. Em alguns, é uma espécie de apego à matéria, da qual procuram inutilmente desembaraçar-se para se dirigirem a mundos melhores, mas cujo acesso lhes é interditado. Na maioria, é o remorso de haverem feito uma coisa inútil, da qual só provam decepções.
       A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário à lei natural. Todas nos dizem, em princípio, que não se tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Mas por que não se terá esse direito? Por que não se é livre de pôr um termo aos próprios sofrimentos? Estava reservado ao Espiritismo demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que o suicídio não é apenas uma falta como infração a uma moral, consideração que pouco importa para certos indivíduos, mas um ato estúpido, pois que nada ganha quem o pratica e até pelo contrário. Não é pela teoria que ele nos ensina isso, mas pelos próprios fatos que coloca sob os nossos olhos(1).


(1) 0 argumento espírita contra o suicídio não é apenas moral, como se vê, mas também biológico, firmando-se no princípio de ligação entre o Espírito e o corpo. A morte, como fenômeno natural, tem as suas leis, que o Espiritismo revelou através de rigorosa investigação. O sofrimento do suicida decorre do rompimento arbitrário dessas leis; é como arrancar à força um fruto verde da árvore.           
— As estatísticas mostram que a incidência do suicídio é maior nos países e nas épocas em que a ambição e o materialismo se acentuam, provocando mais abusos e excitando preconceitos. A falta de organização social justa e de educação para todos é causa de suicídios e crimes. Ver o final do item 949: “… se abolirdes os abusos da vossa sociedade e os vossos preconceitos, não tereis mais suicídios.” (N. do T.)



V- Preocupação com a Morte -O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
V- Preocupação com a Morte
(Questão 941 a 942)

A preocupação com a morte é para muitas pessoas uma causa de perplexidade; Embora tenham um futuro pela frente, preocupam-se com a morte.  É errado que tenham essa preocupação. Mas que queres? Procuram persuadi-las, desde cedo, de que há um inferno e um paraíso, sendo mais certo que elas vão para o inferno, pois lhes ensinam que aquilo que pertence à própria Natureza é um pecado mortal para a alma. Assim, quando se tornam grandes, se tiverem um pouco de raciocínio, não podem admitir isso e se tornam ateus ou materialistas. É dessa maneira que são levados a crer que nada existe além da vida presente. Quanto aos que persistiram na crença da infância, temem o fogo eterno que deve queima-los sem os destruir. A morte não inspira nenhum temor ao justo, porque a fé lhe dá a certeza do futuro, a esperança lhe acena com uma vida melhor e a caridade, cuja lei praticou, lhe dá a segurança de que não encontrará, no mundo em que vai entrar, nenhum ser cujo olhar ele deva temer. 

Comentário de Kardec: O homem carnal mais ligado à vida corpórea do que à vida espiritual, tem na Terra as suas penas e os seus prazeres materiais. Sua felicidade está na satisfação fugidia de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e afetada nelas vicissitudes da vida, permanece numa ansiedade e numa tortura perpétuas. A morte o amedronta, porque ele duvida do futuro e porque acredita deixar na Terra todas as suas afeições e todas as suas esperanças.
      O homem moral, que se elevou acima das necessidades artificiais criadas pelas paixões tem desde este mundo, prazeres desconhecidos do homem material. A moderação dos seus desejos dá ao seu Espírito calma e serenidade. Feliz com o bem que fez não há para ele decepções e as contrariedades deslizam por sua alma sem lhe deixarem marcas dolorosas.   
Algumas pessoas não acharão estes conselhos de felicidade um pouco banais, não verão neles o que chama lugares-comuns ou verdades cediças, e  dirão, por fim, que o segredo da felicidade consiste em saber suportar a infelicidade. Há as que dirão tudo isso, e numerosas. Mas muitas delas são como certos doentes aos quais o médico prescreve a dieta: desejariam ser curados sem remédios e continuando a entregar-se aos excessos.


IV- Uniões Antipáticas -O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
IV- Uniões Antipáticas
(Questão 939 a 940)
Desde que os Espíritos simpáticos são levados a se unir, pode-se explicar que entre os encarnados a afeição frequentemente exista apenas de um lado e o amor sincero seja recebido com indiferença e mesmo com repulsa.
 
Não compreendes, então, que seja uma punição, embora passageira? Além disso, quantos há que pensam amar perdidamente porque julgam apenas as aparências, e, quando são obrigados a viver em comum, não tardam a reconhecer que se tratava somente de uma paixão material! Não é suficiente estar enamorado de uma pessoa que vos agrada e que supondes dotada de belas qualidades; é vivendo realmente com ela que a podereis apreciar. Quantas uniões, por outro lado, que a princípio pareciam incompatíveis e com o correr do tempo, quando ambos se conheceram melhor, se transformaram num amor terno e durável porque baseado na estima recíproca! É necessário não esquecer que o Espírito é quem ama, e não o corpo, e que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade.

     Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, e freqüentemente se toma uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é duradoura; a do corpo é perecível; eis porque os que se julgam amar com um amor eterno acabam se odiando, quando passa a ilusão.

A falta de simpatia entre os seres destinados a viver juntos é igualmente uma fonte de sofrimentos, tanto mais amarga quando envenena toda a existência. Muito amarga, de fato; mas é uma dessas infelicidades de que, na maioria das vezes, sois a primeira causa. Em primeiro lugar, as vossas leis são erradas, pois acreditais vós que Deus vos obriga a viver com aqueles que vos desagradam? Depois, nessas uniões procurais quase sempre mais a satisfação do vosso orgulho e da vossa ambição do que a felicidade de uma afeição mútua. E sofreis, então, apenas a consequência dos vossos preconceitos.

Nesse caso haverá quase sempre uma vítima inocente, e isso é para ela uma dura expiação, mas a responsabilidade de sua infelicidade recairá sobre os que a causaram. Se a luz da verdade tiver penetrado em sua alma, ela se consolará com a fé no futuro. De resto, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, desaparecerão também as causas das infelicidades íntimas.


III- Decepção, Ingratidão e Quebra de Afeição - O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
III- Decepção, Ingratidão e Quebra de Afeição
(Questão 937 a 938)
As decepções provocadas pela ingratidão e pela fragilidade dos laços de amizade são, também, para o homem de coração, uma fonte de amarguras, mas já vos ensinamos a lastimar os ingratos e soa amigos infiéis, que serão mais infelizes do que vós.

A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta encontrará mais tarde corações insensíveis como ele próprio o foi. Pensai em todos os que fizeram mais bem do que vós, que valiam mais do que vós, e no entanto foram pagos com a ingratidão.
 Pensai que o próprio Jesus, quando na Terra, foi injuriado e desprezado, tratado de patife e impostor, e não vos admireis de que o mesmo vos aconteça.

Que o bem que fizeste seja vossa recompensa neste mundo e não vos importeis com o que dizem os beneficiados. A ingratidão é uma prova para a vossa persistência em fazer o bem. Isso vos será levado em conta, e os que não vos foram reconhecidos serão punidos tanto mais quanto maior houver sido a sua ingratidão.

 Não se deve pensar que as decepções causadas pela ingratidão não podem endurecer o coração e torná-lo insensível, porque o homem de coração, como dizes, será sempre feliz pelo que praticar. Ele sabe que, se não o reconhecerem nesta vida, na outra o farão, e o ingrato sentirá então remorso e vergonha.

Este pensamento não impede que o seu coração se sinta ferido. Ora, disso pode nascer-lhe a ideia de que seria mais feliz se fosse menos sensível. Se ele preferir a felicidade do egoísta, uma bem triste felicidade! Se ele sabe, no entanto, que os amigos ingratos que o abandonam não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito dos mesmos, não deve mais lamentar a sua perda. Mais tarde encontrará os que melhor o compreenderão. Lamentai os que vos tratam de maneira que não mereceis, pois terão uma triste recompensa. Mas não vos aflijais por isso: é o meio de vos elevardes sobre eles.

Comentário de Kardec: A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que simpatizem com o seu. Ela lhe concede, assim, as primícias da felicidade que lhe está reservada no mundo dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benevolência: essa é uma ventura recusada ao egoísta.


II- Perdas de Entes Queridos- O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

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ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
II- Perdas de Entes Queridos
(Questão 934 a 936)
A perda de entes queridos  não nos causa um sofrimento tanto mais legítimo quanto é ela irreparável e independente da nossa vontade. Essa causa de sofrimento atinge tanto o rico como o pobre: é uma prova de expiação e lei para todos. Mas é uma consolação poderdes comunicar-vos com os vossos amigos pelos meios de que dispondes, enquanto esperais o aparecimento de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.
 
Que pensar da opinião das pessoas que consideram as comunicações do além-túmulo como uma profanação? Não pode haver profanação quando há recolhimento e quando a evocação é feita com respeito e decoro. O que o prova é que os Espíritos que vos são afeiçoados se manifestam com prazer, sentem-se felizes com a vossa lembrança e por conversarem convosco. Profanação haveria se as evocações fossem feitas com leviandade.

Comentário de Kardec: A possibilidade de entrar em comunicação é um bem doce consolação, que nos proporciona o meio de nos entretermos com os parentes e amigos que deixaram a Terra antes de nós. Pela evocação, eles se aproximam de nós, permanecem do nosso lado, nos ouvem e nos respondem. Não existe mais, por assim dizer, separação entre nós e eles, que nos ajudam com os seus conselhos, nos dão testemunhos da sua afeição e do contentamento que experimentam por nos lembrarmos deles.  É para nós uma satisfação sabê-los felizes e aprender através deles os detalhes da sua nova existência, adquirindo a certeza de um dia, por nossa vez, nos juntarmos a eles.

A dores inconsoláveis dos que ficam na Terra afetam os Espíritos que partiram por que o Espírito é sensível a lembrança e às lamentações daqueles que amou, mas uma dor incessante e desarrazoada o afeta penosamente, porque ele vê nesse excesso uma falta de fé no futuro e de confiança em Deus, e por conseguinte um obstáculo ao progresso e talvez ao próprio reencontro com os que deixou.
Comentário de Kardec:  Estando o Espírito mais feliz do que na Terra, lamentar que tenha deixado esta vida é lamentar que ele seja feliz. Dois amigos estão presos na mesma cadeia; ambos devem ter um dia a liberdade, mas um deles a obtém primeiro. Seria caridoso que aquele que continua preso se entristecesse por ter o seu amigo se libertando antes? Não haveria de sua parte mais egoísmo do que afeição, ao querer que o outro partilhasse por mais tempo do seu cativeiro e dos seus sofrimentos?  O mesmo acontece entre dois seres que se amam na Terra.  O que parte primeiro foi o primeiro a se libertar e devemos felicitá-lo por isso, esperando com paciência o momento em que também nos libertaremos.

       Faremos outra comparação. Tendes um amigo que, ao vosso lado, se encontra em situação penosa. Sua saúde ou seu interesse exige que vá para outro país, onde estará melhor sob todos os aspectos. Dessa maneira, ele não estará mais ao vosso lado, durante algum tempo. Mas estareis sempre em correspondência com ele. A separação não será mais que material. Ficareis aborrecido com o seu afastamento, que é para o seu bem?

      A doutrina espírita, pela s provas patentes que nos dá quanto à vida futura, à presença ao nosso redor dos seres aos quais amamos, à continuidade da sua afeição e da sua solicitude, pelas relações que nos permite entreter com eles, nos oferece uma suprema consolação, numa das causas mais legitimas de dor. Com o Espiritismo, não há mais abandono. O mais isolado dos homens tem sempre amigos ao seu redor, com os quais pode comunicar-se.

      Suportamos impacientemente as tribulações da vida. Elas nos parecem tão intoleráveis que supomos não as poder suportar. Não obstante, se as suportarmos com coragem, se soubermos impor silêncio às nossas lamentações, haveremos de nos felicitar quando estivermos fora desta prisão terrena, como o paciente que sofria se felicita, ao se ver curado, por haver suportado com resignação um tratamento doloroso.

I- Felicidade e Infelicidade Relativas- O Livro dos Espíritos, Allan Kardec-LIVRO QUARTO: ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES-CAPÍTULO I-PENAS E GOZOS TERRENOS

LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES
CAPÍTULO I-  PENAS E GOZOS TERRENOS
I-            Felicidades e Infelicidades Relativas
 (Questão 920 a 933)
O homem não pode gozar na Terra uma felicidade completa, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação, mas dele depende abrandar os seus males e ser tão feliz, quanto se pode ser na Terra.
 
O homem é, na maioria das vezes, o artífice de sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se a muitos males e gozar de uma felicidade tão grande quanto o comporta a sua existência num plano grosseiro.

Comentário de Kardec: O homem bem compenetrado do seu destino futuro não vê na existência corpórea mais do que uma rápida passagem. É como uma parada momentânea numa hospedaria precária. Ele se consola facilmente de alguns aborrecimentos passageiros, numa viagem que deve conduzi-lo a uma situação tanto melhor quanto mais atenciosamente tenha feito os seus preparativos para ela.

      Somos punidos nesta vida pelas infrações que cometemos às leis da existência corpórea, pelos próprios males decorrentes dessas infrações e pelos nossos próprios excessos Se remontarmos pouco a pouco à origem do que chamamos infelicidades terrenas veremos a estas, na sua maioria, como a consequência de um primeiro desvio do caminho certo. Em virtude desse desvio inicial, entramos num mau caminho e de consequência em consequência, caímos afinal na desgraça.

A felicidade terrena é relativa à posição de cada um; o que e suficiente para a felicidade de um faz a desgraça de outro. É preciso compreender que para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.

Aquilo que seria supérfluo para um não se torna o necessário para outro, e vice-versa, segundo a posição, pois de acordo com as vossas ideias materiais, os vossos preconceitos, a vossa ambição e todos os vossos caprichos ridículos, para os quais o futuro fará justiça quando tiverdes a compreensão da verdade. Sem dúvida, aquele que tivesse uma renda de cinquenta mil libras e a visse reduzida a dez. mil, considerar-se-ia muito infeliz, por não poder continuar fazendo boa figura, mantendo o que chama a sua classe, ter bons cavalos e lacaios, satisfazer a todas as paixões etc. Julgaria faltar-lhe o necessário. Mas francamente, podes considerá-lo digno de lástima, quando ao seu lado há os que morrem de fome e de frio, sem um lugar em que repousar a cabeça! O homem sensato, para ser feliz, olha para baixo e jamais para os que lhe estão acima, a não ser para elevar sua alma ao infinito. 

Existem males que não dependem da maneira de agir e que ferem o homem mais justo. O atingido deve resignar-se e sofrer sem queixa, se deseja progredir. Entretanto, encontra sempre uma consolação na sua própria consciência, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, quando ele faz. o necessário para obtê-lo.

Deus beneficia com os bens da fortuna certos homens que não parecem merecê-los porque esse é um favor aos olhos daqueles que não enxergam além do presente; mas sabei-o, a fortuna e uma prova geralmente mais perigosa que a miséria. 

A civilização, criando novas necessidades, é a fonte de novas aflições? Pois os males deste mundo estão na razão das necessidades artificiais que criais para vós mesmos. Aquele que sabe limitar os seus desejos e ver sem cobiça o que estafara das suas possibilidades, poupa-se a muitos aborrecimentos nesta vida. O mais rico é aquele que tem menos necessidades

        Invejais os prazeres dos que vos parecem os felizes do mundo Mas sabeis, por acaso, o que lhes está reservado? Se não gozam senão para si mesmos, são egoístas e terão de sofrera reverso. Lamentai-os, antes de invejá-los!

Deus, às vezes, permite que o mau prospere, mas essa felicidade não é para se invejar, porque a pagará com lágrimas amargas. Se o justo é infeliz é porque passa por uma prova que lhe será levada em conta, desde que a saiba suportar com coragem. Lembrai-vos das palavras de Jesus: “Bem-aventurados os que sofrem, porque serão consolados”.

O supérfluo não é, por certo, indispensável à felicidade, mas não se dá o mesmo com o necessário. Ora, o homem não é verdadeiramente desgraçado senão quando sente a falta daquilo que lhe é necessário para a vida e a saúde do corpo. Essa privação e talvez a consequência de sua própria falta e então ele só deve queixar-se de si mesmo. Se a falta fosse de outro, a responsabilidade caberia a quem a tivesse causado.

Pela natureza especial das aptidões naturais, Deus indica evidentemente a nossa vocação neste mundo. Muitos males não provêm do fato de não seguirmos essa vocação. Isso é verdade, e muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza fazem os filhos se desviarem do caminho traçado pela Natureza comprometendo-lhes com isso a felicidade. Mas serão responsabilizados.

Porém, não se precisa cair no absurdo nem no exagero: a civilização tem as suas necessidades. Por que o filho de um homem da alta sociedade como dizes, teria de fazer tamancos, se pode fazer outras coisas? Ele poderá sempre se tornar útil na medida de suas faculdades, se não as aplicar em sentido contrário. Assim, por exemplo, em vez de um mau advogado, poderia ser talvez um bom mecânico etc.

Comentário de Kardec: O deslocamento de sua esfera intelectual é seguramente uma das causas mais frequentes de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada é uma fonte inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio vem juntar-se a isso, impedindo o homem de recorrer a uma profissão mais humilde e lhe mostra o suicídio como o supremo remédio para escapar ao que ele julga uma humilhação. Se uma educação moral o tivesse preparado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais ele seria apanhado desprevenido.

Há pessoas que, privadas de todos os recursos, mesmo quando reine a abundância em seu redor, não veem outra perspectiva de solução para o seu caso a não ser a morte. Nesse caso, o homem jamais deve ter a ideia de se deixar morrer de fome, pois sempre encontraria meios de se alimentar, se o orgulho não se interpusesse entre a necessidade e o trabalho.  Frequentemente dizemos que não há profissões humilhantes e que não é o ofício de desonra; mas dizemos para os outros e não para nós.
       
É evidente que, sem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa dominar, o homem sempre encontraria um trabalho qualquer que o pudesse ajudar a viver, mesmo deslocado de sua posição. Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.
Comentário de Kardec: Com uma organização social previdente e sábia, o homem não pode sofrer necessidades, a não ser por sua culpa. Mas as próprias culpas do homem são frequentemente o resultado do meio em que ele vive. Quando o homem praticar a lei de Deus, disporá de uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e com isso mesmo ele será melhor.  

As classes sociais sofredoras não são mais numerosas do que as supostamente felizes, pois que nenhuma é perfeitamente feliz, pois aquilo que se considera a felicidade muitas vezes oculta pungentes aflições. O sofrimento está por toda parte. Entretanto, para responder ao teu pensamento, direi que as classes a que chamas sofredoras são mais numerosas porque a Terra é um lugar de expiação. Quando o homem a tiver transformado em morada do bem e dos bons espíritos, não mais será infeliz nesse mundo, que será para ele o paraíso terrestre.

Neste mundo, os maus exercem geralmente maior influência sobre os bons por causa da fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância.

Se é o homem, em geral, o artífice dos seus sofrimentos materiais sê-lo-á também dos sofrimentos morais, mais ainda, pois os sofrimentos materiais são, às vezes, independentes da vontade, enquanto o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, enfim constituem torturas da alma.
     
  Inveja e ciúme!, felizes os que não conhecem esses dois vermes vorazes. Com a inveja e o ciúme, não há calma, não há repouso possível.  Para aquele que sofre desses males, os objetos da sua cobiça, do seu ódio e do seu despeito; se erguem diante dele como fantasmas que não o deixam em paz e o perseguem até no sono. O invejoso e o ciumento vivem num estado de febre contínua. É essa uma situação desejável? Não compreendeis que, com essas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários e que a Terra se transforma para ele num verdadeiro inferno?

Comentário de Kardec: Muitas expressões figuram energicamente os efeitos de algumas paixões. Diz-se: está inchado de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, perder o apetite por ciúmes etc. esse quadro nos dá bem a verdade. Às vezes, o ciúme nem tem objeto determinado. Há pessoas que se mostram naturalmente ciumentas de todos os que se elevam, de todos os que saem da vulgaridade, mesmo quando não tenham no caso nenhum interesse direto, mas unicamente por não poderem atingir o mesmo plano. Tudo aquilo que parece acima do horizonte comum as ofusca, e, se formassem a maioria da sociedade, tudo desejariam rebaixar ao seu próprio nível. Temos nestes casos o ciúme aliado à mediocridade.
       O homem é infeliz, geralmente, pela importância que liga às coisas deste mundo.  A vaidade, a ambição e a cupidez fracassadas o fazem infeliz. Se ele se elevar acima do círculo estreito da vida material, se elevar o seu pensamento ao infinito, que é o seu destino, as vicissitudes  da Humanidade lhe parecerão mesquinhas e pueris, como as mágoas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo que representava a sua felicidade suprema.
       Aquele que só encontra a felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz quando não os pode satisfazer, enquanto o que não se interessa pelo supérfluo se sente feliz com aquilo que para os outros constituiria infortúnio.
       Referimo-nos aos homens civilizados porque o selvagem, tendo necessidades mais limitadas, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias; sua maneira de ver as coisas é muito diferente. No estado de civilização, o homem pondera a sua infelicidade, a analisa, e por isso é mais afetado por ela, mas pode também ponderar e analisar os seus meios de consolação. Esta consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, e no Espiritismo, que lhe dá a certeza do futuro(1).




(1) Consultar “A Gênese”, onde Kardec analisa os motivos do aparecimento do Espiritismo em meados do século dezenove, quando o mundo atingia um estado de adiantada civilização. O conhecimento da realidade espírita da vida só é possível, em sua plenitude, em mundos civilizados, da mesma maneira que no estado de civilização esse conhecimento é um imperativo do próprio progresso e um meio de acelera-lo.(Ver “A Gênese”, cap. I, itens 16 a 18 e particularmente o período final deste último.) (N. do T.)