NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO.- CAPÍTULO XXIII-MORAL ESTRANHA

CAPÍTULO XXIII

MORAL ESTRANHA

Quem não odeia seu pai e sua mãe. – Abandonar pai, mãe e filhos. – Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos. – Não vim trazer a paz, mas a divisão.

NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO.

  “ 9 – Não julgueis que vim trazer paz a Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e os inimigos do homem serão os seus mesmos domésticos. (São Mateus, ap. X: v. 34-36).”

            “10 – Eu vim trazer fogo à Terra, e que quero eu, senão que ele se acenda? Eu, pois, tenho de ser batizado num batismo, e quão grande não é a minha angústia, até que ele se cumpra? Vós cuidais que eu vim trazer paz à Terra? Não, vos digo eu, mas separação; porque de hoje em diante haverá, numa mesma casa, cinco pessoas divididas, três contra duas e duas contra três. Estarão divididas: o pai contra o filho, e o filho contra seu pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra. (São Lucas, c. XII: v. 49-53).”

·       Toda ideia nova encontra forçosamente oposição, e não houve uma única que se implantasse sem lutas. A resistência, nesses casos, está sempre na razão da importância dos resultados previstos, pois quanto maior ela for, maior será o número de interesses ameaçados.

·        Se for uma ideia notoriamente falsa, considerada sem consequências, ninguém se perturba com ela, e a deixam passar, confiantes na sua falta de vitalidade

·       Mas se é verdadeira, se está assentada em bases sólidas, se é possível entrever-lhe o futuro, um secreto pressentimento adverte os seus antagonistas de que se trata de um perigo para eles, para a ordem de coisas por cuja manutenção se interessam. E é por isso que se lançam contra ela e os seus adeptos. A medida da importância e das consequências de uma ideia nova nos é dada, portanto, pela emoção que o seu aparecimento provoca, pela violência da oposição que desperta, e pela intensidade e a persistência da cólera dos seus adversários.
      Jesus...

·       Vinha proclamar uma doutrina que minava pelas bases a situação de abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo. Por isso o fizeram morrer, julgando matar a ideia com a morte do homem.

·       A ideia sobreviveu, porque era verdadeira; desenvolveu-se, porque estava nos desígnios de Deus; e nascida numa pequena vila da Judéia, foi plantar a sua bandeira na própria capital do mundo pagão, em face dos seus inimigos mais encarniçados, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, porque ela subvertia as crenças seculares, a que muitos se apegavam, mais por interesse do que por convicção.

·       Era lá que as lutas mais terríveis esperavam os seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis; mas a ideia cresceu e saiu triunfante, porque superava, como verdade, as suas antecessoras.

O Cristianismo...

·       Apareceu quando Paganismo declinava, debatendo-se contra as luzes da razão.

·       Convencionalmente ainda o praticavam, mas a crença já havia desaparecido, de maneira que apenas o interesse pessoal o sustinha. Ora, o interesse é tenaz, não cede nunca à evidência, e irrita-se tanto mais, quanto mais peremptórios são os raciocínios que se lhe opõem e que melhor demonstram o seu erro. Bem sabe que está errado, mas isso pouco lhe importa, pois a verdadeira fé não lhe interessa;

·       O que mais o amedronta é a luz que esclarece os cegos. O erro lhe é proveitoso, e por isso a ele se aferra, e o defende.

·       Era necessário que o Cristianismo passasse por essa prova demorada e cruel, de dezoito séculos, para demonstrar toda a sua pujança: porque, apesar de todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro, e jamais esteve em causa.

·       A censura sempre caiu sobre os que dele abusaram, pois a cada ato de intolerância sempre se disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.

·        

Sócrates...

·       Não formulara também uma doutrina, até certo ponto, semelhante à do Cristo?

·       Por que, então, não prevaleceu naquela época, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra?

·       Porque os tempos ainda não haviam chegado. Ele semeou em terreno não preparado: o paganismo não estava suficientemente gasto.

·       Cristo recebeu a sua missão providencial no tempo devido. Nem todos os homens do seu tempo estavam à altura das ideias cristãs, mas havia um clima geral de aptidão para assimilá-las, porque já se fazia sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão abriram o caminho e prepararam os Espíritos.

Os adeptos da nova doutrina...

·       Infelizmente, não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre, na maioria veladas por alegorias e expressões figuradas. Daí surgirem, desde o princípio, as numerosas seitas que pretendiam, todas elas, a posse exclusiva da verdade, e que dezoito séculos não conseguiram pôr de acordo.

·       Esquecendo o mais importante dos preceitos divinos, aquele de que Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor do próximo, essas seitas se anatematizaram reciprocamente, arremeteram-se umas contra as outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, ou nas torturas e nas chamas das fogueiras.

·        Os cristãos vencedores do paganismo, passaram de perseguidos a perseguidores.

·       Foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos.

·        É um fato comprovado que as guerras de religião foram mais cruéis e fizeram maior número de vítimas que as guerras políticas, e que em nenhuma outra se cometeram tantos atos de atrocidade e de barbárie.

            Seria a culpa da doutrina do Cristo?

Não, por certo, pois ela condena formalmente toda violência. Disse ele em algum momento aos seus discípulos: Ide matar, queimar, massacrar os que não acreditarem como vós? Não, pois que lhes disse o contrário:

·       Todos os homens são irmãos, e Deus é soberanamente misericordioso;

·       Amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos

·       Quem matar com a espada perecerá pela espada.

A responsabilidade, portanto, não é da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente, transformando-a num instrumento a serviço das suas paixões, daqueles que ignoram estas palavras: O meu Reino não é deste mundo.

            Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que devia acontecer. Mas essas coisas eram inevitáveis, porque decorriam da própria inferioridade da natureza humana, que não podia ser transformada subitamente.

            Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão

– seu pensamento era o seguinte:

            “Não penseis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome servirá de pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido, ou não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro, e a divisão se fará entre os membros de uma mesma família, que não terão a mesma fé. Vim lançar o fogo na Terra, para consumir os erros e os preconceitos, como se põe fogo num campo para destruir as ervas daninhas, e anseio porque se acenda, para que a depuração se faça mais rapidamente, pois dela sairá triunfante a verdade. A guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida.”

            “Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito da Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que dando a conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, porá termo à luta fratricida que divide os filhos de um mesmo Deus. Cansados, afinal, de um combate sem solução, que só acarreta desolação e leva o distúrbio até mesmo ao seio das famílias, os homens reconhecerão onde se encontram os seus verdadeiros interesses, no tocante a este e ao outro mundo, e verão de que lado se acham os amigos e os inimigos da sua tranquilidade. Nesse momento, todos virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra, segundo a verdade e os princípios que vos ensinei”.


O Espiritismo...

·       Vem realizar, no tempo determinado, as promessas do Cristo. Não o pode fazer, entretanto, sem destruir os erros. Como Jesus, ele se defronta com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, que, cercados nos seus últimos redutos, tenta ainda barrar-lhe o caminho, e levantam contra ele entraves e perseguições.

·       Eis por que ele também é forçado a combater. Mas a época das lutas e perseguições sangrentas já passou, e as que ele tem de suportar são todas de ordem moral, sendo que o fim de todas elas se aproxima.

·       As primeiras duraram séculos; as de agora durarão apenas alguns anos, porque a luz não parte de um só foco, mas irrompe de todos o ponto do globo, e abrirá mais depressa os olhos aos cegos.

·       As palavras de Jesus devem ser entendidas, portanto, como referentes à cólera que, segundo previa, a sua doutrina iria suscitar; aos conflitos momentâneos, que surgiram como consequência;

·        Às lutas que teria de sustentar, antes de se firmar, como aconteceu com os hebreus antes de sua entrada na Terra Prometida; e não como um desígnio premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão.

·       O mal devia provir dos homens, e não dele. A sua posição era a do médico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, revolvendo os humores malignos do enfermo.

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